Se formos rigorosos, as duas parcerias fundamentais da bossa nova clássica, aquela que emergiu na virada dos anos 1950 para os 60, são Tom Jobim-Vinicius de Moraes/Newton Mendonça e Roberto Menescal-Ronaldo Bôscoli. Os primeiros sucessos do movimento têm as assinaturas deles. Exceto Menescal, que em 25 de outubro comemorou 80 anos, os outros já partiram. E ele segue em plena atividade, com dois álbuns lançados agora: Mr. Bossa Nova, ao lado do Quarteto do Rio, e Bossa Nova Meets The Beatles, reunindo vários convidados. Grande compositor, produtor, violonista e guitarrista, Menescal é uma das figuras mais presentes na música brasileira das últimas seis décadas.
Começou aos 18 anos, acompanhando a cantora Silvinha Telles. Tinha 21 quando apareceu na capa do primeiro compacto da bossa nova, Bossa É Bossa, lançado em janeiro de 1959 por um sexteto fugaz ainda sem nome, identificado como Conjunto Bossa Nova. Três anos depois, era uma das atrações do famoso show de lançamento da bossa em Nova York. Seguiu carreira internacional e gravou vários discos, antes de ser cooptado pela indústria – de 1970 a 1986 foi marcante diretor musical da gravadora PolyGram (hoje Universal). Menescal é um sujeito aglutinador, como mostra sua constante presença em discos de outros artistas; inclusive jovens estreantes, como os gaúchos Ale Vanzella e Anaadi.
Mas vamos aos novos álbuns.
Em Mr. Bossa Nova, Menescal e sua guitarra dão repertório e brilho às vozes e instrumentos do Quarteto do Rio, que segue as harmonizações de Os Cariocas, principal grupo vocal da bossa. Os integrantes são Eloi Vicente, da formação original, e outros de formações recentes, mas com a morte do líder d’Os Cariocas, Severino Filho, em 2016, sua família proibiu o uso do nome. Bobagem isso, pois o Quarteto do Rio é Os Cariocas com outro nome, ou seja: ótimo como sempre. Eles cantam clássicos da parceria com Bôscoli, como Nós e o Mar, Rio, O Barquinho e Ah! Se Eu Pudesse; um clássico com Chico Buarque, Bye Bye Brasil; e três inéditas, entre elas Ela Quer Sambar (com Paulo Sérgio Valle).
Para Bossa Nova Meets The Beatles, Menescal (violão, guitarra) e o produtor Carlos Coelho (do Biquini Cavadão) chamaram o jovem cantor carioca Cláudio Duarte e um time de músicos onde desponta o tecladista gaúcho Dudu Trentin (também no baixo). Em resumo: canções dos Beatles com respeitoso beat bossa-novista. Cláudio canta bem, com boa pronúncia do inglês – em Michelle, A Day in The Life, Something, Eleanor Rigby, Across The Universe e, por que não?, She Loves You. Os convidados são a guitarra de Andy (The Police) Summers em Yesterday, o trio norte-americano Bailen em With a Little Help from My Friends e o também guitarrista Andy Timmons em While My Guitar Gently Weeps.
Dois discos que você põe pra ouvir e deixa ficarem rodando...
De Primeira Grandeza - As Canções de Belchior, de Amelinha
Durante anos, Amelinha encerrou seus shows dizendo “Volta, Bel!”. Referia-se ao sumido Belchior, com quem começou a carreira, no início dos anos 1970, junto ainda a Fagner e Ednardo, o Pessoal do Ceará. No encarte deste álbum, dedicado integralmente às canções de Belchior, a cantora lembra sua amizade com o compositor que morreu em
30 de abril passado em Santa Cruz do Sul. A primeira faixa, que dá título ao disco, foi presente dele para ela. Com produção do bamba Thiago Marques Luiz, cercada por um competente quinteto de músicos, Amelinha passeia com carinho e força por sucessos como Paralelas, Alucinação, A Palo Seco, Mucuripe, Comentário a Respeito de John, Na Hora do Almoço, todas da década de 1970, e outras menos conhecidas. Deckdisc, R$ 27,90.
O Amor Entrou como Um Raio, de Celso Sim
Em ação desde 1991, quando começou a cantar profissionalmente com Jorge Mautner, o múltiplo Celso Sim é uma brilhante cabeça da cena paulistana dos anos 2000. Neste novo disco, mergulha na obra de Batatinha (1924–1997), sambista baiano comparado a gênios como Cartola e Nelson Cavaquinho pela sofisticação. Batatinha nunca deixou Salvador, a não ser por vozes como a de Bethânia, primeira a gravá-lo. Talvez o melhor tributo já prestado a ele esteja aqui, pois Celso e os músicos Filipe Massumi (cello), Maurício Badé (percussões, efeitos) e Webster Santos (violão, cavaquinho, guitarra) evitam a abordagem tradicional ao criar arranjos, segundo eles, “tropicalistas”. Entre os 11 sambas estão Diplomacia, O Circo, Conselheiro, Direito de Sambar e, bem conhecido, Hora da Razão. Circus, R$ 25, infos circusproducoes.com.br.
Buscando Sonhos, de Diogo Matos
Desde março de 2016 vivendo no Rio de Janeiro, o santa-mariense Diogo Matos é uma revelação dos festivais nativistas, nos quais começou em 2004 e coleciona uns 150 prêmios. Sempre gostou da parte de “montar a música”, e neste disco de estreia mostra isso, fazendo os arranjos e tocando pianos e teclados, com os vocais entregues a intérpretes como sua irmã Paola Matos, Jean Kirchoff, Tuny Brum, Renato Mirailh, Analise Severo e Arison Martins. Também são vários os parceiros letristas, entre eles Piero Ereno, Martim César, Jorge Nicola Prado e Mário Amaral, este numa das canções mais bonitas do álbum, Bem-te-vi. Geralmente fortes, em tons altos, as composições de Diogo abordam os ritmos gaúchos com roupagem universal. Independente, R$ 25, contato diogomatos@gmail.com.
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