"A vida dele foi um violão", resume a filha Vera em uma das passagens do documentário Túlio Piva – Pandeiro de Prata, que está sendo lançado em DVD. O filme marca o centenário do compositor, comemorado em 2016, e os 50 anos da vitória de seu samba Pandeiro de Prata no II Festival Sulbrasileiro da Canção Popular, realizado em 1968 em Porto Alegre.
Ao lado de Lupicínio Rodrigues, Túlio é o mais reconhecido autor gaúcho de sambas, com dezenas de gravações por cantores como Elza Soares, Jair Rodrigues, Demônios da Garoa, Germano Mathias e até Elis Regina no início da carreira. Lupicínio tem maior notoriedade nacional, mas, paradoxalmente, o acervo de imagens e vídeos que se tem dele não chega nem perto da quantidade de material existente sobre Túlio – e o filme mostra isso com exuberância.
Em uma entrevista à televisão, ele conta que começou tocando os tangos que ouvia nas rádios argentinas em sua cidade natal, Santiago. Ao conhecer as músicas de Noel Rosa, nos anos 1930, encantou-se com o samba e levou para o violão, que já tocava bem, a potência rítmica do tango: "A característica de minha música sempre foi o ritmo forte". Um dos entrevistados do filme, Arthur de Faria diz que "a batida única do violão de Túlio foi precursora do samba-rock". Jorge Ben só descobriria aquela levada no início da década de 1960. Já com sua marca, Túlio compôs o primeiro samba em 1940, Tem Que Ter Mulata, que bem mais tarde conquistaria o Brasil e seria seu maior sucesso – a primeira gravação, pelo Conjunto Melódico Norberto Baldauf, é de 1955, ano em que ele deixou Santiago vindo para Porto Alegre.
Em outra das tantas entrevistas do documentário, revela que convenceu a família a transferir para a Capital o seu negócio (uma farmácia), para ter maiores horizontes. Na verdade, queria ficar perto das oportunidades musicais. Tinha tino para negócios. Em 1975, uniu os talentos ao abrir o bar Gente da Noite (título de outro samba de sucesso), que durante 10 anos acolheu os boêmios da cidade. Era um gentleman, a todos conquistava com sua fala macia e seu samba inconfundível. Enfim, o carinhoso filme conta a história do grande artista com profusão de vídeos, entrevistas e depoimentos de gente de várias gerações, como Eneida Martins (sua principal intérprete), Kenny Braga (seu biógrafo), Claudinho Pereira, Nelson Coelho de Castro, Giovanni Berti, Bibiana Petek, os netos músicos Rodrigo e Rogério Piva. Túlio morreu em 1993.
TÚLIO PIVA - PANDEIRO DE PRATA
De Marco Martins, Loli Menezes e Rodrigo Piva
Documentário, 55 minutos, R$ 35, contato rodrigopiva.com.br
Enfim um disco para Mutinho
Um dos participantes do II Festival Sulbrasileiro da Canção, mencionado no texto acima, era Mutinho, ou Lupicínio Moraes Rodrigues, sobrinho do próprio, que, lançado por ele, integrava a nova geração musical de Porto Alegre. Mutinho se aligeirou: em seguida foi para Rio e São Paulo e, como baterista, passou a acompanhar estrelas da MPB. Em 1972 começa sua colaboração com Toquinho e Vinicius de Moraes, que ultrapassaria a morte do poeta (1980) e chegaria a 1996 na colaboração com Toquinho. Atuou com os grandes (Tom Jobim o chamava de "compositor-baterista"), andou com eles pelo mundo, teve músicas gravadas por eles, mas em 60 anos de carreira nunca registrou o próprio trabalho. Que sai agora no álbum Meu Segredo.
Qual o segredo? Primeiros registros de canções feitas lá atrás com o parceiro porto-alegrense João Palmeiro, inéditas com Toquinho, Vinicius e outros parceiros. Entre as inéditas com Vinicius está a bela bossa Acalanto Para Embalar Lupicínio ("Você mais do que ninguém teve instantes de morte e de dor"). Com uma voz cheia de noite, Mutinho se garante também cantando. Com Palmeiro, destaca-se a marcha O Rancho Convida e a bossa Escapada. Tem valsa, tem samba-canção, tem o bolero Amigo Porteño (com Vinicius). O primeiro disco de Mutinho é grávido desse tempo todo, com grandes músicos em cada faixa, convidados como Toquinho em Turbilhão, o piano de Sílvia Goes. No encarte, ele comenta faixa por faixa. Grande música. Selo Kuarup, CD R$ 25, disponível nas plataformas digitais.
Próximos Distantes, da Doidivanas
Perguntei a Rodrigo dMart se a Doidivanas é uma banda ou um estado-de-espírito, pois ela já não faz shows, seus integrantes vivem em cidades diferentes e só se encontram para gravar – caso deste quinto álbum (o anterior é de 2008). Mas é um estado-de-espírito muito competente, com estilo próprio, alta pressão sonora, guitarras poderosas. Se os discos anteriores exploravam os ritmos gaúchos este abre o leque, embora a essência permaneça aqui e ali. Começa com um reggae que pode virar xote, Falso Temporal. O Futuro é punk-rock. Falido de Sorte tem rock'n'roll e de repente uma levada gaúcha, na melhor letra do álbum – dMart é o letrista de todas as composições, a maioria em parceria com o ótimo vocalista Felipe Mello. On the Road fecha o disco com uma letra geracional tão bem construída quanto longa. Três músicas são de outros autores, entre elas a muito boa '75, de Edu daMatta. Procultura de Pelotas, R$ 20, contato doidivanasrock@gmail.com.
A Terra Treme, de Luciano Alves
Luciano Alves diz que duas de suas principais influências são Bob Dylan e Belchior e basta ouvir a primeira faixa do disco para se saber disso. Mas Luciano Alves faz delas um veículo para afirmar a envergadura de sua própria música. Tocados com alta potência e cantados com gana, folk e rock estão a serviço de letras enfáticas e vigorosas como a de Desatino: "Hoje o que mais se vende é a bestialidade humana/ A vida segue engarrafada e sufocada pelo medo". Segundo disco do artista leopoldense, A Terra Treme é um álbum homogêneo no sentido de ser difícil separar músicas, todas são boas. A instrumentação destaca as guitarras e violões do co-produtor Daniel Mossmann (da Pata de Elefante). As Teias Que a Gente Tece foi feita sobre um poema de Torquato Neto e Autorretrato integra a trilha da peça Frida Kahlo, à Revolução!, cuja trilha feita ao vivo é de Luciano. Independente, R$ 30, contato em facebook.com/lucianoalvesoficial.