Depois de três anos de exílio em Londres, no início de 1972 Gilberto Gil voltou ao Brasil cheio de energia e músicas novas. Ao lado de Lanny Gordin na guitarra, Perna Fróes no teclado, Bruce Henry no baixo e Tutty Moreno na bateria, caiu na estrada em março. A turnê passaria por sete capitais – incluindo Porto Alegre, quando o assisti no Teatro Leopoldina e o "sequestrei" para fazer a primeira e longa entrevista com ele, em minha casa.
Três shows foram gravados e, 45 anos depois, estão nos três CDs duplos da caixa Gilberto Gil Anos 70 ao Vivo. Além de trazer canções inéditas, é um extraordinário documento da época em que ele parecia querer recuperar o tempo perdido, compondo muito e fazendo shows com mais de três horas de duração.
Um dos álbuns da caixa, Back in Bahia, foi gravado em março de 1972 no Rio. Tem essa e as outras músicas que logo apareceriam no LP Expresso 2222, como O Sonho Acabou, Oriente, Chiclete com Banana, mais Aquele Abraço, Cultura e Civilização e Brand New Dream, que ele nunca gravaria.
Outro, Umeboshi, também gravado no Rio, em abril de 1973, tem a banda modificada. Inclui Essa é Pra Tocar no Rádio, Ladeira da Preguiça, Preciso Aprender a Só Ser, Eu Só Quero um Xodó, Umeboshi (que também não seria gravada) e Minha Nega Na Janela, de Germano Mathias, que hoje causaria um escândalo.
O terceiro e melhor é USP, gravado em São Paulo logo em seguida, só voz e violão, nada menos que 26 canções, essas citadas, mais Cálice, Procissão, Domingo no Parque, Ele e Eu, Filhos de Gandhi. Me deu saudade.
ANOS 70 AO VIVO
De Gilberto Gil
Caixa com três CDs duplos. Geleia Geral/Discobertas, R$ 105.
METAL NA MADEIRA
De Ian Faquini e Paula Santoro
Uma longa história antecede este disco em que Paula Santoro, uma das grandes cantoras brasileiras (mineira radicada no Rio), interpreta canções do jovem violonista e compositor Ian Faquini (brasiliense radicado nos EUA desde os oito anos). Ele era guitarrista e um encontro com Guinga, aos 16 anos, o transformou, passando a dedicar-se profundamente ao violão. Formado no California Jazz Conservatory em 2015, foi logo convidado a tornar-se professor na instituição. Paula e Faquini se conheceram através de Guinga, ela se apaixonou pelas composições dele e daí nasceu Metal na Madeira, sexto álbum dela, terceiro dele. Gravado nos famosos Fantasy Studios, em Berkeley, com um grupo enxuto de músicos (trios e quartetos, duas faixas só voz e violão), é um trabalho de alta qualidade. De Paula já sabemos, tem uma voz cristalina e expressiva, canta demais. E acho que ainda vamos ouvir falar muito de Ian Faquini, que embora viva e trabalhe nos EUA, tem uma característica de composição brasileiríssima, revelando influência também de Caymmi. Seus parceiros são, entre outros, os conhecidos Mauro Aguiar e Thiago Amud. A base do disco é a temática nordestina, seja no ritmo, como o baião Jerimbamba e o frevo Rio-Mar (que tem o sax do maestro Spok), seja na canção lenta, como a bela Mãe da Lua. Disponível nas lojas digitais Amazon e iTunes. O CD somente pelo contatopaulasantoro@gmail.com.
LUME
De Fran Rosas
Já em Estrela de Brilhar, primeira faixa de seu álbum de estreia, a cantora curitibana Fran Rosas mostra ter muitos horizontes: a orquestra de cordas que ornamenta a canção é formada por músicos da Filarmônica de São Petersburgo – gravados lá! Lume passou por estúdios de Curitiba, São Paulo e Pelotas, registrando uma bem definida safra de novos compositores, principalmente paranaenses como Maninho, Bernardo Bravo e Du Gomide, o paulista Tó Brandioleone, o pelotense Bernardo Vergara e Thamires Tannous, de Campo Grande (MS). O único veterano é Djavan, cuja música Asas fecha o disco. Produzido com competência pelo tecladista Rafael Rosas, parceiro de vida e música de Fran, o álbum revela uma cantora afinadíssima e à vontade em diferentes estilos, desde que não sejam muito contrastantes. Ela foi bailarina clássica e prefere a delicadeza de canções como a meio abolerada Quando Amanhecer (também com as cordas russas), a jazzy Inimaginável, a pop Ebulição, todas entrando na classificação de MPB, mesclando com equilíbrio sonoridade acústica e programação eletrônica. Cicatriz, parceria de Maninho e Leonardo Vergara (que toca violão e guitarra em vários arranjos), tem o acordeão do também pelotense Aloísio Rockembach, um dos bons músicos que valorizam a ficha-técnica.
Labirinto/Tratore, R$ 19,90, contato em franrosas.com.br. Disponível nas plataformas digitais.