A última encarnação do múltiplo Yanto Laitano é um personagem que, do presente, desloca-se musicalmente para as décadas de 1960 e 1970. Yantux, esse personagem (ou alter ego), dá título ao quinto álbum do cantor, compositor, pianista e arranjador, talvez o mais irrequieto artista da cena musical porto-alegrense. Do erudito ao rock e às trilhas sonoras, ele entra em todas e sempre se dá bem porque tem estrutura, substância, inventividade. O disco começa com uma gravação na secretária eletrônica: “Oi. Aqui é a Xuxu. Deixe um recado que eu juro que escuto depois”. E aí entra um pop bem tocado e cantado mas com letra quase bobinha, de namorado para namorada, ao fim do qual um diálogo entre amigos, com trilha sonora meio atonal, quer saber onde anda o Yantux. “Uuu, o Yantux tá muito louco”, diz o camarada.
Na faixa quatro, Imbecil, rock com piano dominante, órgão, guitarra distorcida e coro, outra letra de namorado, só que ríspida, você começa a entrar no espírito da coisa. E a coisa vai melhorando, num crescendo. É um álbum conceitual, claro, como não percebi antes? Quando você se dá conta, está dentro dos sons dos ótimos Yanto (pianos, órgão, clavinete, violão, efeitos), Beto Chedid (guitarras, violões, bandolim, harmônica, efeitos), Felipe Narcizo (baixo) e Pedro Petracco (bateria), todos fazendo vocais. E ainda os convidados, Adriana Deffenti, Julio Reny, Marcelo Delacroix, Luciano Leães... As pistas vão ficando pelo caminho. Êpa, não lembra George Harrison a guitarra slide em Camarada (letra sobre o encontro de dois amigos)? Solto, alegre, digamos, psicodélico, o rock Neo Hippie não mira os Beatles?
Faixa nove, meio do CD, a vinheta/ligação telefônica Casinha no Campo antecipa mudanças. Yantux vai deixar a cidade. O clima do rock rural (Zé Rodrix...) está em Disco Voador (que homenageia Os Cascavelletes) e em Banho de Cachoeira. Com melodia especialmente inspirada, Canção do Capitão pincela cores infantojuvenis. Já Quando Eu Fui Embora Sem Você cita Roberto Carlos e tem ares de Guilherme Arantes. Enfim: Yantux se realiza como álbum conceitual e ao mesmo tempo reúne canções com vida própria. É um trabalho livre, feliz. Mais uma contribuição para o banco de créditos de Yanto Laitano à música brasileira. Lembrando: ele tem dois discos com o grupo de música contemporânea Ex-Machina (1998 e 2002), um com sua banda pop Bili Rubina (2000) e o solo também pop Horizontes e Precipícios (2010).
Sem falar na Orquestra de Brinquedos, brilhante trabalho para crianças de todas as idades, que lota espaços desde 2011.
YANTUX
De Yanto Laitano
Selo Fonográfico 180, R$ 30, disponível nas plataformas digitais
Keco Brandão traz canções e imagens
Nascido em Porto Alegre mas paulista por formação, o pianista e tecladista Keco Brandão tem larga história na música, mas nunca havia feito um disco de canções. Este Com Vida chega depois de mais de 10 álbuns instrumentais, a maioria temáticos, por exemplo de bossa nova lounge, new age para meditação, world music. Todos os muitos artistas com quem trabalhou, de Gal Costa a Zizi Possi, passando por Leila Pinheiro e Toquinho, o consideram um dos mais completos e sensíveis pianistas e arranjadores brasileiros. Para estrear na área da canção, ele decidiu fazer um álbum duplo com CD e DVD. A diferença entre os dois, é que no DVD, gravado no estúdio, as músicas são antecedidas por depoimentos dos artistas convidados.
Além de 10 cantores, quase 30 dos principais instrumentistas de Sampa passaram pelo estúdio. Um projeto de fôlego mesmo. O trabalho de Keco justifica o cuidado e o arrojo, deixando a pergunta: por que não cantou antes? Algumas das 15 canções: En Aranjuez con Tu Amor (Joaquin Rodrigo/Alfredo Garcia Segura), com Simone Guimarães, Viagem (Rafael Altério/Elio Camalle), com Filipe Catto, Pasarero (Carlos Aguirre) com Tatiana Parra, Sweet Bird of Youth (versão de Eu e a Brisa, de Johnny Alf), com o americano Sachal Vasandani, Encontro dos Rios (Ivan Lins/Celso Viáfora), com Ivan Lins, A Força (Ivan Lins/Vitor Martins), com Zizi Possi, Cura (Keco/Carlos Saraiva), com Fabiana Cozza, e Emilia (Lyle Mays/Pedro Aznar), com Keco.
COM VIDA
De Keco Brandão, CD e DVD, Mojim/Tratore, R$ 49.
Disponível nas plataformas digitais.
ANTENA
BOÊMIOS
João de Almeida Neto canta Nelson Gonçalves
Primeiro mérito deste álbum: um dos grandes cantores do regionalismo gaúcho, João sai corajosamente do chão que o consagra desde os anos 1980, mas não pensa em reinventar a roda. Fã de Nelson Gonçalves (1919–1998, segundo maior vendedor de discos da história da música brasileira), manteve-se no registro vocal do ídolo e, como ele, selecionou um repertório de leque aberto, abrangendo diversas fases da carreira. Para acompanhá-lo, escolheu jovens músicos liderados pelo carioca João Camarero e o gaúcho Samuca do Acordeon, à frente de um competente regional de choro e samba, além de convidados para os lados do tango. São 14 faixas, quase todas clássicos, atestando a qualidade de João e a amplitude de Nelson, entre elas os sambas-canção A Volta do Boêmio, Lembranças, Matriz e Filial, Negue, Cadeira Vazia; os sambas-choro A Deusa da Minha Rua e Naquela Mesa; os sambas Normalista e Se Acaso Você Chegasse, o tango Carlos Gardel, o fado Nem às Paredes Confesso, a quase valsa Sertaneja. Entre os músicos, o pessoal do Regional Imperial, mais Carlitos Magallanes, Dunia Elias, Guto Wirtti, Elias Barboza e Pedrinho Figueiredo. Trata-se do melhor tributo já prestado a Nelson Gonçalves. Independente, em minuanodiscos.com.br, R$ 29,90.
SAMUCA DO ACORDEON & REGIONAL IMPERIAL
O mesmo competente grupo carioca que acompanha João de Almeida Neto está ao lado de Samuca em seu novo disco – João Camarero (violão 7 cordas), Lucas Arantes (cavaquinho), Junior Pita (violão) e Rafael Toledo (pandeiro). Um dos mais versáteis acordeonistas do Rio Grande, terra de notáveis gaiteiros, desta vez Samuca sai da música regionalista, que o consagrou, fazendo o que chama de “realização de um sonho”: a gravação de um álbum de choro. E deixa claro que já pode ser tido como um dos grandes acordeonistas do secular gênero. Além de músicas próprias como Choro pro Deni e Urtiga no Dedo, ele visita clássicos como Escorregando (Ernesto Nazareth), Harmonia Selvagem (Dante Santoro) e Ou Vai Ou Racha (Mário Zan), redescobre o hoje quase esquecido Scorza Neto, autor de Retrato de Nazareth, e grava obras de amigos, entre elas Rua do Ouro (parceria de Camarero e Mathias Pinto) e Relembrando Waldir (Lucas Arantes). Como se não bastasse a excelência do Regional Imperial, Samuca também está cercado de convidados especialíssimos: Yamandú Costa, Paulinho Fagundes, Lucian Krolow, Ayres Potthoff, Guilherme “Feijão” Sanchez e o próprio Mathias Pinto, diretor da oficina de choro do Santander Cultural. Independente, em minuanodiscos.com.br, R$ 19,90.