Ouvi uma vez o álbum Experiência, do grupo carioca de música contemporânea Abstrai Ensemble. Pensei: ih, rapaz, acho que não posso escrever sobre isto. Ouvi uma segunda vez, e outra, seguindo em dúvida. Senti ser algo importante, trabalho de muita gente, reconhecido no Brasil e no Exterior. Mas o que dizer, se me faltam ferramentas para analisar um tipo de música que a maioria dos mortais consideraria “antimúsica”?
Depois da quinta audição, já conquistado pelos sons abstratos (ou concretos?) do Abstrai, decidi que, sim, deveria escrever sobre, até para divulgar essa música de circulação quase secreta.
Criado em 2005 pelo saxofonista, professor e pesquisador Pedro Bittencourt, o grupo de câmara, com número variável de integrantes (na média, 10), se dedica ao repertório dos séculos 20 e 21, principalmente em colaboração com compositores vivos do Brasil e outros países. Entre os integrantes estão nomes conhecidos da cena erudita carioca, como a flautista Andrea Ernest Dias.
Em seus concertos, o Abstrai costuma utilizar as últimas tecnologias digitais mesclando-as com violão, guitarra, piano, clarinete, clarone, cordas e percussão. Também são importantes suas atividades pedagógicas e concertos comentados, visando à formação de público para a música de concerto no Brasil.
A composição que abre o disco, Experiência, do grego Phivos-Angelos Kollias (1982), ao longo de 12 minutos, é uma recitação pela voz falada e sensual, sussurrante, da cantora Doriana Mendes, pontuada por sons diversos e que procura levar o ouvinte para o entendimento musical profundo, quase hipnótico. Seguem composições inéditas dos brasileiros Michelle Agnes Magalhães (nascida em 1979), Rodrigo Lima (1976), Pauxy Gentil-Nunes (1963), Roberto Victorio (1959), do francês Didier Marc Garin (1963) e do português João Pedro Oliveira (1959), este também autor do texto que comenta no encarte todas as composições.
Aos meus ouvidos, todas as composições se parecem. Mas João Pedro mostra como sou ignorante.
EXPERIÊNCIA
- De Abstrai Ensemble
- Casa Discos
- Distribuição Tratore
- R$ 28
Felipe Karam brilha com seu violino
Violinistas são raridade na música popular brasileira. A começar, porque precisam vencer resistências dos que insistem em prender o instrumento à área erudita. Mesmo um artista como o porto-alegrense Felipe Karam, filho e irmão de músicos, que lê música desde os seis anos, teve de ir forçando as barras até chegar a seu primeiro disco solo, o surpreendente (pela novidade e abrangência) De Sol a Sol.
Ele começou ainda garoto, em 1998, no grupo Café Acústico. Depois passou por vários outros, aqui e no Exterior, até a Camerata Pampeana, do maestro Tasso Bangel. Bacharel em violino pela UFRGS, tornou-se mestre pela City University, de Londres – desde 2004 divide-se entre Inglaterra, Estados Unidos e Brasil, estudando, dando aulas e tocando. Tem quatro discos com dois diferentes grupos.
De Sol a Sol começa com Ingênuo, de Pixinguinha, em solo de violino de cinco cordas – você nunca ouviu um choro tocado assim. Depois vem um choro “normal”, com grupo, Espinha de Bacalhau (Severino Araújo); um baião com choro e jazz, Bom Pra Karam (Samuca do Acordeon); a lírica valsa-seresteira Menina Ilza (Hermeto), com violino, cello e baixo; o empolgante frevo De Sol a Sol.
E tem mais: forró, folclore celta, balada, jazz, xote nordestino, uma combinação de música turca com música do leste europeu (Sete Velas, com Flávia Domingues, mãe de Karam, tocando alaúde).
Entre os muito bons músicos, Neemias Santos (piano), Everson Vargas (baixo acústico), Luiz Morais (violão 7) e Sandro Bonato (bateria). Um disco também raro, candidato sério ao Prêmio Açorianos.
DE SOL A SOL
- De Felipe Karam
- Independente
- R$ 33,50 em felipekaram.com.br.