O tempo, o que é o tempo? O que são 10 anos? Um sopro. Como se fosse ontem, o Maogani, mais internacional grupo brasileiro de violões, está lançando um álbum produzido por Sergio Mendes e gravado em 2009 em Los Angeles. Um álbum, diga-se para começar, brilhante. Foi assim: em 2001, numa das vindas ao Brasil (onde começou a carreira na aurora da bossa nova), Mendes ouviu o Maogani tocando Chovendo na Roseira, de Tom Jobim. Gostou, e, em 2006, convidou o quarteto carioca para tocar a mesma música em seu disco Timeless.
No show de lançamento, no Hollywood Bowl, o Maogani teve o maior público ao vivo de sua história, iniciada em 1995. Na onda, veio o convite para gravarem no estúdio de Mendes.
Depois de uma primeira demo, o álbum pra valer, com produção de Mendes, foi gravado em 2009. E ponto; o disco nunca saiu. Até que, em 2017, ele presenteou o grupo com o HD das gravações, que foram finalizadas no Rio de Janeiro com acréscimos de músicos daqui, como o percussionista Marcos Suzano e o bandolinista Hamilton de Holanda, mais os cantores Renato Braz e Mônica Salmaso. Então, entra em cena a gravadora Biscoito Fino, investindo no lançamento no Brasil. E o disco ganha o título de Álbum da Califórnia.
(Interrompo rapidamente o relato para dizer que, desde 2005, um dos integrantes do Maogani é o grande violonista gaúcho Maurício Marques.)
Incluindo as primeiras incursões do quarteto no songbook dos EUA, o repertório é ouro puro: I Got Rhythm (George e Ira Gershwin), Surfboard (Jobim), Cravo e Canela (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos), A Ostra e o Vento (Chico), Frevo Rasgado (Gil), The Days of Wine and Roses (Mancini/Mercer), Caçador de Esmeraldas (Gnattali), Chovendo na Roseira (a faixa cantada), Folhas Mortas (Ary Barroso), Bananeira (João Donato), Easy to Love (Cole Porter), Cai Dentro (Baden/PC Pinheiro, com Airto Moreira na percussão) e Manhã de Carnaval (Bonfá/Antônio Maria). Álbum da Califórnia é o sétimo disco do Maogani, que, além de Maurício, tem os fundadores Carlos Alves, Marcos Alves e Paulo Aragão.
O rock rural continua vivo
No início do ano passado, o cantor, violonista e compositor Tuia Lencioni, da nova geração da música paulista de raiz, resolveu homenagear alguns ídolos e, em parceria com o violeiro Ricardo Vignini (do grupo Matuto Moderno), convidou o baiano Gutemberg Guarabyra e os mineiros Tavito e Zé Geraldo para um encontro de gerações. Materializou-se assim o show Nós do Rock Rural, cuja gravação ao vivo acaba de sair em disco – com a triste particularidade de ser o último registro em palco de Tavito, falecido agora em fevereiro. Ao lado de músicas novas de Tuia e Vignini, o roteiro inclui antigos sucessos dos convidados. O teatro do Sesc Vila Mariana estava lotado, mostrando que o “rock rural” ainda tem público.
A expressão “rock rural” (mistura de pop, folk e música caipira) saiu da música Casa no Campo (Zé Rodrix/Tavito), grande sucesso de Elis Regina em 1972 e um dos momentos altos do show. Entre as outras bem conhecidas estão Espanhola (Guarabyra/Flávio Venturini), Dona (Sá & Guarabyra), Senhorita e Galho (Zé Geraldo), esta especialmente vibrante. Tuia canta cinco músicas próprias, enquanto Vignini faz duas dele em solo de viola caipira. Depois de interpretações mais ou menos alternadas, os cinco se juntam para as duas últimas, cantadas com a plateia, Rua Ramalhete (Ney Azambuja/Tavito) e Sobradinho (Sá & Guarabyra). Tanto a produção como a finalização do álbum são muito boas.
Antena
O Homem que Amava as Mulheres, de Julio Reny
Em 2019, Julio Reny comemora 60 anos de vida e 40 de carreira. Neste 11º disco, ele resolveu fazer reminiscências. Das 10 faixas, oito têm nomes femininos. São dedicadas em maioria às garotas de programa que o têm ajudado a amenizar a solidão. “É amor pago, eu sei”, canta ele em Rochele, uma das cinco inéditas, gravadas com sua banda Irish Boys. “Sou da escola Gainsbourg”, sublinha na também inédita A Princesa, a Lady e o Anjo. Já conhecidas dos fãs, o ska Ivone, com a guitarra de Edu K, é do tempo da banda Km 0 (1985); a salseada Anita foi extraída do segundo disco, Julio Reny & Expresso Oriente (1989); o hit Não Chores Lola saiu no álbum dos Cowboys Espirituais (1998). O cara canta muito. Os ótimos Irish Boys são Oly Jr (guitarra, viola), Guilherme Wurch (baixo, teclado) e Marcio Camboin (bateria). R$ 15, no Facebook da loja Toca do Disco.
Clarões, de Manu Saggioro
Criada em Bauru (SP), Manu Saggioro é uma daquelas surpresas que surgem de tempos em tempos. Embora já tenha 36 anos de idade e uns 18 de carreira, só agora lança o primeiro álbum, produzido pela cantora Ceumar. À moda hippie, em 2001, Manu percorreu 12 Estados brasileiros ao longo de quatro meses observando as manifestações musicais. Em 2006, fez o mesmo em nove países europeus. Ela voa com os pés no chão. Feminina, delicada, telúrica, sua música é levada pela voz linda e as letras muito boas. São canções brasileiras de encanto interiorano, temperadas com jazz, blues, fado, carnavalito, compostas por ela e por Levi Ramiro, Tetê Espíndola, Osvaldo Borgez, Déa Trancoso, a incrível uruguaia La Abuela Bea. Instrumentação básica: violões (ela e Webster Santos), piano, acordeom, baixo, percussão. Amei o disco. Tratore, R$ 27.
Correspondências, de Rodrigo Marconi
Destacado novo nome da música brasileira de concerto, o compositor, musicólogo e professor carioca Rodrigo Marconi empreende em seu primeiro disco uma audaciosa viagem: traduzir em música contemporânea leituras de grandes pensadores e escritores. “A intertextualidade é a motivação, o ponto de partida e de chegada de minhas composições”, diz. São seis composições (Golpes de Pequenas Solidões, Impropérios, Canções para os Dias de Sol e de Chuva, Brechtianas, No Bosque dos Espelhos e As Várias Pessoas de Fernando) com diferentes intérpretes, entre eles, Joaquim Zito Abreu (vibrafone), Fabio Adour (violão), Ronal Silveira (piano) e Reinaldo Pacheco (flauta). Os pontos de partida são Roland Barthes, Drummond, Brecht, Lewis Carroll e Fernando Pessoa. Tratore, R$ 30.