Em outubro passado, participei, como convidado, do AsuJazz Festival, em Assunção, Paraguai. Lá, convivi com jornalistas argentinos e, assim como falei da nova cena jazz/instrumental de Porto Alegre, me contaram da de Buenos Aires. São mais ou menos parecidas, mesmo considerando a diferença abissal entre as duas cidades. Da amizade continuada via WhatsApp e e-mail com Humphrey Inzillo, de Buenos Aires, e Griselda Cazorla, de Corrientes, vieram seis discos que resumem a nova música instrumental argentina. Um dos grupos já é nosso conhecido, o Escalandrum, liderado pelo baterista Daniel “Pipi” Piazzolla, neto do próprio: tocou no Santander Cultural em 2010 e no Canoas Jazz em 2015.
– Em Buenos Aires a cena jazzística é pujante – resume Inzillo, crítico de música do diário La Nación e da revista Brando. – Em parte porque existe uma cadeira de jazz no Conservatório Manuel de Falla, em parte porque o Festival de Jazz de Buenos Aires tem uma continuidade e uma programação que abre espaço para artistas locais e traz atrações internacionais de qualidade. Por outro lado, e este me toca de perto, há o ciclo Jazzologia, criado há 35 anos por meu pai (Carlos Inzillo). É um espaço de concertos gratuitos todas as terças-feiras, que tem funcionado como uma escola para várias gerações de músicos.
Experimentos da nova geração
Mais conhecido internacionalmente, o Escalandrum é o mais antigo grupo entre os seis reunidos aqui; em 2019 completa 20 anos. O sexteto de bateria, piano, baixo, saxes e clarinete mescla jazz, tango e folclore – “soa argentino... mas nem tanto”, define Pipi Piazzolla. Lançado em 2018, seu 11º álbum, Studio 2, considerado o melhor de todos, foi gravado no célebre Studio 2 de Abbey Road. Já Pequeñas Explosiones Hermanas é o segundo e último disco do septeto Salgado y Asociados, ou pelo menos o último com seu líder, o notável trombonista Francisco Salgado, que morreu em 2018, aos 39 anos, de câncer. Formado em 2013 por músicos experientes, o grupo faz um jazz de vanguarda, com experimentalismos.
O guitarrista Martín Iaies e o contrabaixista Juan Bayon são da nova geração. Filho do grande pianista Adrián Iaies (diretor do Festival de Jazz de Buenos Aires), Martín integrou bandas de rock na adolescência e se dedica ao jazz desde 2012, tendo como referências, entre outros, Pat Metheny. Ao lado de sax, baixo e bateria, em Rewind & FF, seu primeiro álbum, mostra um jazz do tipo clássico, melodioso. Escolhido melhor disco de 2018 por críticos de jazz de Buenos Aires, Vidas Simples, o terceiro de Juan Bayon, comprova que, além de baixista de exceção, é compositor de amplos recursos. Usando sax, vibrafone, piano e bateria, faz o chamado “modern jazz”, com espaço inclusive para uns ares de bossa nova.
Infelizmente não tenho como citar todos os extraordinários músicos que também são responsáveis por estas obras.
Chacarera e chamamé alimentam a mistura
A produção de música instrumental com conceito jazzístico também se espalha pelo interior da Argentina. Dois dos melhores exemplos disso são a orquestra Los Arcanos del Desierto, de Santiago del Estero (berço da chacarera, no norte do país), e o Guaú Trio, da cidade de Resistência, capital da província do Chaco (terra do chamamé, junto com sua vizinha Corrientes).
Dirigida pelo baixista Mariano Sarquiz, Los Arcanos tem 15 integrantes e é uma orquestra de guaracha, gênero bailante que resulta da combinação de chacarera, chamamé, cúmbia, músicas cubana e mexicana, e no caso, também africana, árabe e jazz. Inspirada em orquestras como a de Tito Puente, produz uma explosiva salada rítmica conduzida por sete instrumentistas de sopro, cinco percussionistas, duas guitarras elétricas, baixo e bateria, com vários vocalistas convidados. Trópico Del Monte é seu terceiro disco (o primeiro saiu em 2013).
O Guaú Trio é Lucio Sodja (piano), Alejandro Ruiz (baixo) e Jorge Castro (bateria), ótimos músicos forjados no ambiente jazzístico que se reuniram em 2010 para fazer o que batizaram de jazz sudaca, ou chamajazz, ou jazz del Litoral. Partindo do folclore e de clássicos de autores como Cholo Aguirera, Mario Cocomarola e Ramón Ayala, trazem uma proposta original que redimensiona o chamamé.
– O trio faz um exercício de regionalismo crítico – avalia o jornalista Humphrey Inzillo.
O segundo disco do Guaú chama-se Alma Guaraní.