Com os pincéis franceses do acordeão de Matheus Kleber, Chanson de Valse abre o primeiro álbum de Daniel Debiagi. Com as castanholas flamencas de Ana Medeiros, Sin Llover en Tus Ojos o fecha, 10 faixas depois. Entre uma e outra, o cantor e compositor expõe seus múltiplos interesses, que passam por samba, pop, country, blues, tango, bolero.
– Desde o início minha intenção era fazer um disco ritmicamente variado – diz Debiagi, que contou com a produtora Marisa Rotenberg para imprimir unidade à mistura.
Deu certo. Sem Chover em Teus Olhos (esse o título) surpreende o tempo todo, fazendo de Debiagi uma efetiva revelação da moderna MPB gaúcha. Natural de Cachoeira do Sul, está envolvido com música desde os 11 anos e atribui sua obstinação pela carreira a artistas que “valorizam muito as letras”, como Adriana Calcanhotto, Caetano Veloso, Zeca Baleiro, Vander Lee e Vitor Ramil. De fato, as letras fortes, de construção meticulosa, são outro diferencial do trabalho. O disco reúne canções feitas de 2000 a 2016, tendo passado por algumas provas.
Nesse tempo, entre outras coisas, Debiagi lançou um EP (2013), venceu o Festival da Canção Francesa de Porto Alegre (2015, chegando ao 2º lugar na etapa nacional) e fez o show Tributo a Maysa, que chegou a ser apresentado em Paris. Uma de suas musas, a cantora carioca (1936–1977) é homenageada em Tango Para Maysa, que tem a participação da paulista Bruna Caram. “Nosso mundo caiu, o amor sucumbiu”, diz a letra. “Quem nos dera que a vida fosse uma novela”, canta ele em outra música. “Homem de bem, homem de bem, não pensa em ninguém”, diz outra ainda, com a voz do pernambucano Almério (revelação no Prêmio da Música Brasileira 2018).
Em resumo: Daniel Debiagi (que também é ator e dançarino) faz uma música aberta, diversificada, provocante e atual. Valoriza suas composições com uma voz bonita, expressiva, clara. E além de Marisa, tem no disco músicos do calibre de Guiza Ribeiro (violões, guitarra), Diogo Benaga e Caio Maurente (baixo) e Fernando Sessé (percussão). Um time enxuto e cumpridor, fazendo um disco realmente diferenciado.
Cristian Sperandir: um pianista de raro talento
Em público, ele é do tipo low profile, fala pouco, não chama atenção. Mas tocando piano, Cristian Sperandir rapidamente angariou um grau de prestígio que poucos músicos com sua idade conseguem. Tinha 24 anos quando conquistou o Prêmio Açorianos de melhor instrumentista, em 2014. De lá para cá, seu nome tem aparecido cada vez mais em palcos e discos de outros, mostrando que também sabe dar tempo ao tempo: só agora lança o primeiro álbum solo, Bons Ventos.
É música instrumental de alto nível, construída com Antônio Flores (violão), Caio Maurente (baixo acústico), Sandro Bonato (bateria) e Bruno Coelho (percussão). A sonoridade música brasileira, música latina e jazz.
Cristian não tem medo de revelar influências:
– Referências de Brad Mehldau, Michel Camilo, Chick Corea, André Mehmari e Geraldo Flach estão expressas em vários momentos e em minha forma de ver e pensar a música.
Bons Ventos, faixa de abertura, lembra um pianista não citado, Lito Vitale – mas uma coincidência, trazida pela melodia de ares folclóricos do Sul. A propósito, Cristian é um melodista inspirado, do jazz-samba Aquífero à Valsa Entre as Nuvens (parceria com Caio Martinez, incluindo os violinos e violoncelos de Dhouglas Umabel e Lucas Duarte). Tiro de Brazuca (parceria com Samuca do Acordeon) tem guitarra distorcida e combinações samba-jazz-rock. Composta com o mano Adriano, Passeio de Notas é um belo diálogo violão-piano. E Acordes em Preto e Branco, gravada ao vivo com Diego Ferreira no sax tenor, se estende por nove minutos em clima de quase marcha-rancho.
A base de Cristian vem de uma família de músicos de Osório. Ele começou a estudar piano aos 13 anos e praticou composição e arranjos no estúdio que administra com Adriano e a cunhada Adriana – o grupo Sperandires, campeão de festivais pelo Brasil. Estuda Música na UFRGS.
Antena
O Homem Invisível, de Bebeto Alves
Construída ao longo de 40 anos, a obra de Bebeto Alves faz dele um dos artistas mais inovadores e importantes da história musical do RGS. Desde o lançamento do primeiro disco, em 1978, nunca parou de produzir febrilmente – só de composições próprias gravadas tem cerca de 170. De vez em quando gosta de lançar uma coletânea, como esta O Homem Invisível, sua terceira. São 15 músicas extraídas de nove álbuns: a mais antiga é Beirute, do LP Pegadas (1987), as mais recentes são Meia Verdade e Até Onde o Coração Mandar, ambas de Milonga Orientao (2014). Desta vez, o recorte feito por Bebeto singulariza as canções de amor, que sempre estiveram (e estão) em seu repertório, entre elas Que Bom, Te Cuida, Pedra Pedrinha, Nós Não Vamos Dormir, Tchau, Filme B e Noite Azul. Soam como se fosse um disco novo. R$ 24,90 em produtooficial.com.br.
(In)visível, de Jéssica Berdet
Nascida em Bagé há 25 anos, Jéssica Berdet vive a música desde criança, incentivada pelo avô bandoneonista. Aos 15 anos começou a cantar em bares da cidade, até decidir mudar-se para Porto Alegre em 2014. Na Capital, integrou o coletivo Trevo de Sons e dividiu palcos com vários artistas. (In)Visível, o disco de estreia, é consequência de suas determinação e maturidade. Além de tocar muito bem violão e guitarra, Jéssica canta muito e compõe com personalidade. Uma revelação! Com letras bem feitas na temática amor e desamor, seu estilo dominante é a MPB romântica na linha do samba-canção, com algum tempero jazzy. Arranjos e músicos de qualidade: Giovanni Barbieri (piano), Dionísio Souza (baixo), Bruno Coelho (percussão), participações de Samuca do Acordeon e Bernardo Zubarán (harmônica). Independente, R$ 25 em jessicaberdet.com.
0+2, de Carlos Badia e grupo
Abro aqui uma exceção: a de não comentar álbuns lançados somente no formato digital. Por outro lado, é um lançamento “antigo”, tem quase um ano. Decidi fazer o registro em reverência ao trabalho de Carlos Badia, que admiro desde a banda Delicatessen. É o segundo álbum solo dele, tão bom quanto o primeiro, Zeros (2015), igualmente mesclando música cantada e instrumental, MPB e jazz. São oito refinadas composições, com ele ao violão, Pedro Tagliani (violão, guitarras), Lucas Esvael (baixo) e Sandro Bonato (bateria). A letra de conteúdo político da bossa Você Vai Precisar Saber apresenta para as novas gerações o Brasil dos anos 1960/70. Também contundente, Sirenes Urbanas fala das cidades brasileiras de hoje. Entre as instrumentais, destaco Baiacatú Pro Hermeto (com a voz do Bruxo) e PrinceBluesoul, que lembra o jazz-blues de John Mayall. Badia, lança em CD...