Embora Maria Bethânia sempre tenha cantado sambas, vamos combinar que até uns dois anos atrás ela subir ao palco com Zeca Pagodinho era algo bem improvável. Mas não impossível: circulando pelo Brasil desde o início de 2018, o show De Santo Amaro a Xerém tornou-se o maior sucesso das carreiras dos dois em anos recentes.
E acaba de se materializar no CD e DVD que já lideram as vendas da gravadora Biscoito Fino. Eles se encontraram por acaso numa dessas festas que reúnem artistas no Rio, e Bethânia gostou de ouvir Zeca cantando músicas que não estão em seus shows. Daí que começou a matutar: que tal nós dois?
Os produtores de cada um se encarregaram de ajeitar as coisas, Bethânia encomendou ao mano Caetano uma música para marcar o, digamos, projeto, e caiu na estrada com Pagodinho. Como mostra o DVD, gravado em 18 e 19 de maio do ano passado no Credicard Hall, em São Paulo, com público empolgado, Zeca atribui a ela o sucesso da iniciativa. “Aprendi contigo: vamos nos divertir”, diz ele em certo momento.
A partir do belo samba de Caetano, Amaro a Xerém, o show entra num pique irresistível, com os nove instrumentistas das bandas dos dois (liderados pelos violonistas Jaime Alem e Paulão 7 Cordas) mandando ver.
Em 1h40min, palco e plateia se divertem muito, com sucessos deles e clássicos. O roteiro tem 44 músicas, de Sonho Meu a O Que é o Que é, mesclando Ivone Lara, Gonzaguinha, Chico, Caetano, Gil, Arlindo Cruz, Monarco, Caymmi, Noel, Adelino Moreira, Miguel Gustavo, Sílvio Caldas, Paulo Vanzolini e tal, do samba canção ao samba-enredo e outros babados:
A Voz do Morro, Verdade, Falsa Baiana, Café Soçaite, O Xis do Problema, Ronda, Marginália II, Gente Humilde, Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida, Naquela Mesa, Chão de Estrelas, Deixa a Vida me Levar...
Dirigido por Joana Mazzuccheli, é um DVD muito competente.
O mestre Telmo na voz do grande Borges
Só mesmo um grande, Luiz Carlos Borges, para gravar um disco à altura de Telmo de Lima Freitas. Jaguaretês é desses momentos máximos da história da música gauchesca e a maior homenagem já prestada ao cantador nascido em São Borja há 85 anos. Não pensei duas vezes antes de colocá-lo em minha lista dos 10 álbuns de 2018.
Em 17 composições, o repertório escolhido por Borges sintetiza a formidável obra do mestre, tendo o cuidado de manter seu caráter único e sua profunda simplicidade – não há o que “melhorar”. Para tanto, bastam a voz curtida e a gaita de Borges, o violão e o guitarrón de Yuri Menezes (toca demais) e a percussão do filho Kiko Freitas (hoje um dos maiores bateristas do mundo).
De Tropa da Vida, que abre o disco, a Baile de Rancho, que o fecha, o roteiro vai mostrando a riqueza telúrica do universo temático de Telmo, revelada já nos títulos de milongas, vaneras, valsas, polcas: Marcha Tropeira, Tio Simão (o benzedor), Querência Nova, Tempos de Praça, Barco Pesqueiro, Cantiga de Ronda...
Não faltam canções de amor (e dor), nas quais também é imbatível, como em Defumando Ausências – e na já clássica Prenda Minha, que não está no álbum. Mas estão os dois momentos que cristalizaram sua presença na Califórnia da Canção, Prece ao Minuano (aqui com o violão 7 cordas de Neuro Junior) e Esquilador. Dom Telmo compõe como quem faz folclore. Isso o diferencia.O encarte inclui um belo texto de Vinicius Brum. Se faltasse alguma coisa eu diria: a presença, mesmo pequena, da voz do mestre.
Antena
Dos Navegantes
Lançado no final de 2017, o disco Dos Navegantes ganhou o Grammy Latino na categoria de Melhor Álbum de MPB. O show de lançamento, em maio do ano passado na Sala Cecília Meirelles, do Rio, foi gravado ao vivo e sai agora em DVD. No texto de divulgação, o crítico Roberto Muggiatti diz que a reunião de Edu (voz), Lubambo (violão) e Senise (sax, flauta) não foi por acaso: habituado a orquestrações, Edu participou como convidado do disco Todo Sentimento, de Lubambo e Senise, “e se apaixonou pela formação enxuta do grupo”, decidindo gravar o seu próprio disco com eles (mais, aqui e ali, o piano de Cristóvão Bastos, o baixo de Bruno Aguilar e a percussão de Mingo Araújo). O DVD mostra uma apresentação bem formal, Edu em pé entre os dois, praticamente sem falar durante os 74 minutos do show. Ou seja: valorização exclusiva de suas canções, sua voz e os instrumentos. Abrangendo toda a carreira, o roteiro é uma sucessão de clássicos dele e parceiros em 16 faixas, entre elas Pra Dizer Adeus, A Morte de Zambi, Toada, Valsa Brasileira, O Circo Místico, A História de Lilly Braun, Choro Bandido, Beatriz. E uma inédita, Noturna, instrumental. Biscoito Fino/Canal Brasil, R$ 46,50.
Dois por Dois Ao Vivo
A história de Michel Freidenson (piano) e Teco Cardoso (sax, flauta) começa na virada dos anos 1970 para os 80 no histórico grupo ZonAzul, um dos definidores de uma nova música instrumental paulistana. A partir daí, tornaram-se referência em seus instrumentos, integrando outros grupos e tocando com alguns dos principais artistas brasileiros. Este DVD + CD resulta da gravação ao vivo do show de lançamento do disco Dois Por Dois, de 2016, que reunia refinadas composições de Luiz Millan e Moacyr Zwarg. De conhecida família musical (irmão de Itiberê), o pianista Zwarg assistiu ao show sentado na primeira fila, já doente – morreria em junho de 2017 e a ele é dedicado o DVD. Compositor e psiquiatra, Millan pontua o show com falas sobre a parceria e as músicas, que incluem quatro canções interpretadas pela ótima Anna Setton – durante quase 10 anos ela foi vocalista do grupo de Toquinho e acaba de lançar seu primeiro disco. Ritmos como samba, valsa e frevo com tratamento jazzístico em clima de encontro de amigos. É um DVD para adeptos da música instrumental sem concessões. Nos extras toda a história é contada. Distribuição Tratore, R$ 30.