Primeiro doutor em violão do Brasil, multipremiado nacional e internacionalmente como violonista, compositor e arranjador, desde 1991 professor no Instituto de Artes da UFRGS, carreira consolidada no que se convencionou chamar de música erudita, ou clássica, ou de concerto, Daniel Wolff estaria muito bem dando sequência apenas a essa trajetória – como faz a maioria dos músicos de sua estatura. O que o leva, outra vez, a voltar-se para a música dita popular de nosso Continente, como no álbum Iberoamericano (que lança com show, neste sábado, 1º/6, no Instituto Ling)? Eu diria que um dos motivos, mesmo inconsciente, é a generosidade. Em tempos ásperos, como os que vivemos, ele traz delicadeza.
Cercado por alguns dos melhores músicos gaúchos (mais de 20 passaram pelo estúdio), Daniel faz seu voo fraterno que parte da canção Iberoamericana, em que exorta à luta por um futuro melhor como chamamento ao companheirismo, e chega à emocionante Qualquer que Seja o teu Nome, feita para o bebê que estava no ventre de sua mulher e parceira, a violonista Fernanda Krüger – bate na canção o coração de Raquel, que nasceria em março. Parceiros: além de Fernanda (Em Mim), o disco tem letras de Raul Ellwanger (Cabana de Santa Fé), Jerônimo Jardim (Ainda Vivo Por Lá) e Leandro Maia (Canção sem Palavras). Raul, Leandro e Marcelo Delacroix fazem participações especiais.
A múltipla vivência fez de Daniel um filósofo tranquilo. Com maestria, compõe inspiradas melodias (e letras) e posiciona os músicos nos arranjos de cuidadosa e ampla arquitetura. Tem xote, candombe, samba, valsa, choro, baião, na desfronteira “popular” e “erudito”. Com piano, gaita, violinos, bandolim, violoncelo, oboé, trompete, teclados, baixo, guitarra, trombone, sax, bateria, percussão. Alguns dos músicos: Renato Borghetti, Pedro Figueiredo, Veco Marques, José Milton Vieira, Giovanni Berti, Rodrigo Alquati, Michel Dorfman, Nico Bueno, Paulinho Cardoso, Mano Gomes... “O tempo não espera”, diz a letra do baião Curta a Vida Curta, completando: “Viver sem viver não vale a pena pra ninguém”...
Saiba mais sobre o músico em danielwolff.com
IBEROAMERICANO
- De Daniel Wolff
- Funarte, R$ 25, distribuição Tratore.
- Show de lançamento sábado (1º/6), às 17h, no Instituto Ling (Rua João Caetano, 440), com participações de Raul Ellwanger, Fernanda Krüger, Marcelo Delacroix, Leandro Maia e Denise Fontoura. Informações: (51) 3533-5700.
Música para ouvidos ávidos em disco histórico
O Duofel, de Fernando Melo e Luiz Bueno, todos conhecem: desde 1977 é um duo de violões de renome mundial. Carlos Malta, também: o flautista e saxofonista começou em 1981 com Hermeto Pascoal e tocou com Egberto Gismonti, Pat Metheny, Gil Evans, Wagner Tiso, entre outros, além de ter seu próprio trabalho. Robertinho Silva, igualmente: em ação desde 1968 (com o grupo Som Imaginário), tocou com Milton Nascimento e vem a ser um dos maiores bateristas/percussionistas brasileiros. Mas todos eles juntos, só agora, no recém-lançado e já histórico álbum duo+dois. “Fiquei impressionado pelo grau de coesão e empatia sonora que o quarteto revela nessas gravações”, escreveu o experiente crítico Carlos Calado.
De fato, o disco, de requintada produção, é um presente aos ouvidos ávidos por grande música instrumental. O repertório é irretocável: clássicos dos anos 1960/70 tocados com virtuosismo e alegria em arranjos e improvisos brilhantes. A faixa de abertura, Canto de Iemanjá (Baden/Vinicius) se estende por mais de 10 minutos. Depois vêm Casa Forte, Upa Neguinho, Ponteio (todas de Edu Lobo), Água de Beber (Tom/Vinicius), Dindi (Tom/Aloysio de Oliveira), Cais (Milton/Ronaldo Bastos), Maracangalha (Caymmi), Emoriô/ Bananeira (João Donato/ Gilberto Gil), Consolação/ Berimbau (Baden/ Vinicius) e Canto de Xangô (também deles).
Tudo puro encantamento. Sim, essa música produz esperança.
DUO+DOIS
- De Duofel, Carlos Malta e Robertinho Silva.
- Selo Sesc, R$ 20 em sescsp.org.br/loja
Antena
HOJE EU VEJO, de Saulo Fietz
O porto-alegrense Saulo esperou um pouco até lançar o primeiro álbum. Ele apareceu em 2012, no coletivo Escuta – O Som do Compositor. Dois anos depois, lançou um EP com quatro canções. As 10 faixas do disco completo, agora, confirmam o que se sabia: Saulo Fietz é uma das vozes mais marcantes da nova música produzida no Sul. A voz propriamente dita, com um belo timbre grave, impressiona de cara. A voz como um todo, significa canções de esmerada extração pop, feitas com segurança e prazer. E as letras mostram que não tem medo de ser romântico. Com ele no violão, Sander Fróis no violão e guitarra, Bruno Vargas no baixo e Juliano Borges na bateria (mais Hique Gomez, Celau Moreira, Cau Neto e Lucas Riccordi), todos muito bons, Hoje eu Vejo é música convincente e moderna.
GOTA ONDE NADA O PEIXE, de Tânia Grinberg e Fabio Madureira
Este primeiro disco do duo começou a nascer em 2013, quando Tânia e Fabio se conheceram no curso de pós-graduação em Canção Popular da Faculdade Santa Marcelina, de São Paulo. Nas 11 faixas, todas com letras dela (também escritora) e músicas dele, temos uma MPB com reflexos do Tropicalismo, da Vanguarda Paulista e da música erudita, em resultado atemporal. É composição madura, sofisticada, que exige atenção auditiva. Fortemente poéticas, as letras passeiam por cenas do cotidiano e da natureza. Tânia é a cantora, voz bem particular, enquanto Fabio toca violões, ao lado de conhecidos músicos paulistanos como Guilherme Kastrup, Ari Colares, Rodrigo Bragança e Ricardo Zoyo. Uma bela surpresa.
EL PROBLEMA DE LA FORMA, de Hermanos Láser
Já conhecida do público de Porto Alegre, a banda uruguaia é uma das mais interessantes do atual pop-rock platino. Produzido por Gabriel Casacuberta (do grupo Bajofondo), este segundo álbum reafirma o talento dos seis integrantes na criação de música altamente melodiosa com ótimas harmonizações vocais (lembram Beatles), clima no geral leve mas que sabe ser pesado também. Sobre as letras, escreve no material de divulgação o gaúcho Jimi Joe: “Versos confessionais espelham preocupação com relações amorosas mas vão além delas para abraçar uma poderosa visão existencialista da vida com seus questionamentos inevitáveis”. É o tipo de sonoridade que pega o ouvinte desde a primeira faixa.
* Os álbuns aqui comentados também estão disponíveis nas plataformas digitais