O primeiro parágrafo do texto de abertura da primeira coluna de meu retorno às páginas de ZH, em 9 de março de 2013, falava de Maria Luiza Fontoura, 18 anos, e sua banda Samba e Amor. O tema era a novíssima geração que estava cantando samba e MPB em Porto Alegre. O pai de Maria Luiza fizera contato comigo no Facebook para saber o que eu achava daquilo. “No início considerei a ideia mera brincadeira e passatempo de adolescentes”, escreveu, “inclusive em razão de não ser o tipo de música reverenciado por pessoas de tão tenra idade.” Passaram-se seis anos, a Samba e Amor tornou-se uma das principais atrações dos bares da cidade e agora está lançando o primeiro álbum, Amar é Meu Destino.
O disco tem na capa Maria Luiza e seu parceiro e violonista Lucas de Azevedo. Então, eles formam na verdade um duo, que nos shows pode virar trio, quarteto ou quinteto. As gravações, no Rio, se completaram com músicos reunidos pelo produtor e arranjador Gastão Villeroy, gaúcho lá radicado – entre eles, Davi Moraes, Jorginho Gomes, Eduardo Neves e Arthur Maia, notável baixista precocemente falecido em dezembro de 2018. O duo tem se apresentado frequentemente em casas noturnas cariocas, ganhando familiaridade com o ambiente. Maria Luiza:
— Já fizemos Beco das Garrafas, Rio Scenarium, Carioca da Gema, Hotel Sheraton. O plano é mudar nossa base para o Rio em uns dois anos.
Lucas toca um violão caprichado, mas a questão é ela, determinada, afinadíssima, novidade mesmo, canta limpo e sem maneirismos. Na faixa que fecha o disco, Cadeira Vazia (Alcides Gonçalves/Lupicínio Rodrigues), em nenhum momento Maria Luiza deixa a gente pensar em Elis. São vários sambas, como o que dá título ao álbum, composição do duo mais Augusto Britto, que também assinam Teme Não. Samba Sem Refrão, de Alexandre Susin e Mathias Pinto, tem a participação de João Cavalcanti. Não Leve a Sério e Meu Samba é Triste, muito boas, são de Lucas. E há surpresas, como o sambaião Dona do Bem Querer (Gastão Villeroy/ Rodrigo Maranhão). As letras falam de encontros e desencontros.
Uma estreia pra lá de promissora. Maria Luiza será uma estrela de primeira grandeza. Ainda por cima é linda, com aqueles olhos de Capitu e aquele perfil grego.
Coletânea evidencia música negra de Porto Alegre
Oito militantes da negritude porto-alegrense, de diferentes gerações, estão reunidos no álbum Música Negra Contemporânea, que será lançado com shows no sábado (18), a partir das 18h, no Afro-Sul Odomodê (Av. Ipiranga, 3850). É a primeira coletânea do gênero feita na cidade, mostrando várias vertentes musicais, do samba ao hip hop, passando por reggae, ijexá, congada, swing e outros estilos afro-brasileiros.
Idealizado por Hilton Magalhães (Melô), com produção de Daniele Rodrigues e Thaise Machado (ambas responsáveis também pelo Festival Porongos), o projeto do disco tem direção musical do maestro Marco Farias, arranjador e tecladista com larga folha de serviços prestados à cultura de Porto Alegre.
Com duas músicas cada, estão na coletânea a cada vez mais destacada cantora Glau Barros, a experiente banda Coisa Preta, o próprio Marco Farias, o histórico cantor e compositor Paulo Romeu, a banda Afroentes (da cantora Nuna Fola), o cantor e compositor Gustavo Oliveira (descendente do samba-rock e swing do grupo Pau Brasil e de Bedeu), o rapper Luciano Judah e a poderosa banda Egrégora. Mais de 30 instrumentistas participam das 16 faixas. Quase todas as músicas, de diversos autores, são ideológicas, tendo como temas a história, episódios e personagens (de Zumbi a GibaGiba) que motivam o orgulho negro e pregam a luta contra o racismo e a desigualdade. O disco mostra o que muitas vezes está encoberto.
Música Negra Contemporânea, de vários intérpretes. R$ 25, à venda no show de sábado (18), incluindo ingresso, ou pelo e-mail festivalporongos@gmail.com
Antena
VARANDA, de Ricardo Borges
Não param de surgir ótimos violonistas no Rio Grande do Sul. Sobrinho-neto do músico Luiz Carlos Borges, Ricardo, 24 anos, é uma revelação não só tocando o instrumento como também compondo e cantando. Ele nasceu em São Sepé, cresceu em Porto Alegre e atualmente vive em Santa Maria, onde estuda música na UFSM. Neste segundo disco, Varanda, mescla quatro temas instrumentais para violão solo (com execução de concertista) e cinco com letras, neste caso agregando o percussionista Márcio Kbecinha. Já no título, a composição Nordestina mostra uma das influências de Ricardo. Nas músicas cantadas, como Leve (participação da parceira Jordana Henriques) e Todo Instante, mostra voz suave, de tonalidade quase joão-gilbertiana. É um belo melodista. Cita como fontes de inspiração Baden Powell, Yamandu Costa, Vitor Ramil, Dori Caymmi e o tio-avô.
BEIRA DE MAR, BEIRA DE RIO, de Carlos Roberto Hahn e Volmir Coelho
Eles se conheceram em 2013, em um festival. Carlos Hahn, poeta e letrista urbano, vinha do litoral norte; Volmir Coelho, cantor e compositor campeiro, vinha da fronteira sul. Logo começaram a compor juntos e Beira de Mar, Beira de Rio é o primeiro resultado da afinada parceria. Hahn entregou a produção e os arranjos aos irmãos Adriano e Cristian Sperandir e seus músicos (como Samuca do Acordeon), que são garantia de qualidade. Mesmo campeiro, Volmir gosta de trabalhos mais abertos. As muito boas letras de Hahn têm em maioria temáticas social e política, mas também falam de amor. Há valsa (Serenata), milonga (Pedra Trágica), baião (Numa Noite de Despejo). No geral os ritmos não são muito marcados, valorizando mais a força da interpretação.
GROOVES IN THE EDEN, de Jorge Pescara
Um dos baixistas brasileiros de maior desenvoltura internacional, o paulista Jorge Pescara está lançando o terceiro disco solo, em que mescla jazz, pop, funk, música eletrônica e música brasileira. É um trabalho provocante, múltiplo em sonoridades, dançante, feito com vários tipos de baixos, guitarra, teclados, bateria, percussão e instrumentos como charango e bouzouk árabe. Sons de florestas abrem a primeira faixa, Povo, de Freddie Hubbard. Tem Brazilian Rhyme (Milton Nascimento), Song for Barry (Michael Brecker), Smoke on the Water (Deep Purple), Come Together (Lennon/McCartney) e vários temas de Pescara e parceiros, como Laudir de Oliveira e os falecidos Glauton Campello e Gaudêncio Tiago de Mello – as ótimas MacumBass, Azymuth Men e Song of the Exile. Música instrumental de alta qualidade.