Quem tem 72 anos, como eu, já viu muita gente morrer. De gente da música brasileira, já perdi a conta dos necrológios que fiz. Mas quando Alexandre Lucchese me ligou neste sábado com a notícia da morte de João, meu fluxo normal de pensamento foi interrompido para conferir se eu ouvira bem. Primeiro reflexo: um pequeno susto. Segundo: dois dias atrás, Renato Rosa me enviara uma foto presumivelmente recente de João velhinho, bem magro, terno e gravata, em pé, com o violão ao lado, porte altivo. Disse ao Renato: esta foto me parece fake. Era muita coincidência, embora a morte de João, pela idade, o longo isolamento e a sabida debilitação física pudesse ser naturalmente esperada. Mas quando Lucchese me ligou, as 16h30min deste sábado, eu estava offline desde a noite anterior, fora de Porto Alegre.
Quando Tom Jobim morreu em Nova York, eu ainda estava saboreando uma entrevista com ele feita uma semana antes no Rio para ZH. Foi uma surpresa. Quando Elis morreu, eu estava em férias em Santa Catarina e aquilo me bateu de uma forma muito intensa, pois eu a admirava e amava de um modo além do jornalista. Mas tive objetividade suficiente para escrever e enviar um texto para ZH. De todo modo, as inesperadas e sentidas mortes de Tom e Elis não bateram em mim com a dimensão que hoje bate a de João. Ao saber dela, meu sentimento instantâneo foi de que uma era ficara para trás. Um capítulo fundamental da música brasileira se encerrara, sem qualquer alarde. Ele era o fio ligando tradição e modernidade. Era o símbolo da bossa nova, que levou o Brasil aos ouvidos do mundo.
Se Caetano cantou com Gal, lá no início deles, "eu, você, João, já temos um passado, meu amor, um violão guardado, aquela dor, de sempre ser desafinado", a morte de João transfere o passado para os que vieram depois dele. E ele entra para o panteão eterno de Nazareth, Chiquinha, Noel, Pixinguinha e os outros mencionados neste texto.