Em um dia de 2006, Arthur de Faria me ligou para contar que ele e seu conjunto estavam participando da gravação de um disco com antigas músicas de Odair José, ao lado de Zeca Baleiro (autor da ideia), Paulo Miklos, Pato Fu, Mundo Livre S/A e outros. Com o título de Vou Tirar Você Deste Lugar, a coletânea foi fruto de uma espécie de “reavalização” da obra do artista goiano, então quase esquecido. E embora nunca tenha deixado de gravar, a partir daí ele passou a viver um “renascimento”, com espaços que nunca teve na imprensa. O recém lançado Hibernar na Casa das Moças Ouvindo Rádio, seu 36º álbum, é o ponto alto do “novo” Odair.
Nos últimos anos, tem levado às últimas consequências os temas que aborda desde o início da carreira e que fizeram dele primeiro um grande sucesso popular (“brega romântico”) e, depois, um estigmatizado. “Este disco é um complemento, a nível do conteúdo, de O Filho de José e Maria, meu disco censurado em 1977. É um convite sincero e real à desobediência contra essa falsa moral da sociedade”, disse em entrevista recente a O Globo. É mesmo quase um manifesto. Questões atuais percorrem as faixas embaladas por uma banda pesada – guitarras em chamas pavimentam o rock and roll de clima urgente, stoniano.
A Casa da Moças é um “puteiro”, como prefere Odair, onde há mais afeto e transparência e onde nascem suas crônicas urbanas. Até que as coisas melhorem, lá ele hiberna ouvindo rádio ao lado de personagens marginais como o Rapaz Caipira e o Imigrante Mochileiro, títulos de duas faixas do álbum. Lá, ouve as notícias do mundo externo, comentadas em Chumbo Grosso (“O assunto aqui é a cultura da bala”, começa a letra, “você pediu, agora chupa”) e em Fora da Tela (“A verdade insiste em se esconder em notícias falsas”). E por aí vai, de forma direta, crua, com altas doses de sarcasmo. Entre as participações, o VJ Thunderbird, Jorge Du Peixe e As Bahias e a Cozinha Mineira.
HIBERNAR NA CASA DAS MOÇAS OUVINDO RÁDIO
- De Odair José. ProacSP/Monstro Discos, R$ 20 em www.lojamonstro.com.br
Fábio Jorge canta o Brasil em francês
A voz aveludada de Fábio Jorge já é conhecida dos amantes brasileiros da música francesa, pois ele vem fazendo shows há 15 anos (principalmente em São Paulo) e tem três discos lançados, todos com canções da França. Mas este Connexions, o quarto, é diferente. Nele, Fábio inverte a bússola: selecionou 14 clássicos e sucessos da MPB e fez bem resolvidas versões para o idioma de Edith Piaf.
Teve critérios especiais para algumas músicas: "Arrastão contém palavras de origem africana e procurei mantê-las para não as descaracterizar", resume, no texto de divulgação. Os arranjos também preservam o DNA brasileiro das canções, evitando afrancesá-las além da conta: o acordeom, por exemplo, só aparece uma vez.
Ao lado de Arrastão (Edu Lobo/ Vinicius de Moraes, que ficou Les Bateaux Sur La Mer), marcam o disco Paix de Mon Amour (Paz do Meu Amor, de Luiz Vieira), C’Est La Nuit (Foi a Noite, Tom Jobim), Mon Bien Aimé (Meu Bem Querer, Djavan), Mon Énorme Folie (Estranha Loucura, de Sullivan/ Massadas) e Notres Printemps (Primavera, Carlos Lyra/Vinicius de Moraes, com introdução cantada em português por Márcia). Entre as outras, Marina (Caymmi) ficou assim: “Marina, La brune, la femme/ Tu t’es maquillée/ Marina, fais um peut de tout/ Mais je vais demander”). Um grupo grande de músicos, entre eles Rovilson Pascoal, garante a excelência instrumental do belo projeto de Fábio.
Vale lembrar que no próximo domingo, 14 de julho, a França comemora sua data nacional.
CONNEXIONS
- De Fábio Jorge. Independente, R$ 35 à venda em fabiojorge.com.br.
Antena
LÉO MONASSA, de Léo Monassa
Embora já tenha um bom tempo de estrada (durante seis anos, por exemplo, liderou a banda Freguesia do Ó), Léo Monassa é uma das boas novidades da cena musical porto-alegrense. Na próxima quinta-feira (18), às 20h, no Teatro de Arena, ele relança, com show em formato acústico, este primeiro disco lançado no final de 2018 — a reedição tem como diferencial a cantora argentina Karen Pastrana. Nascido na Vila Bom Jesus, o compositor, cantor e violonista cresceu em meio à música e revela influências setentistas do soul brasileiro (Tim Maia, Cassiano, Hyldon) e do samba-rock gaúcho (Luís Vagner, Bedeu). Mas o disco prova que ele tem personalidade própria e vive no presente - é bom letrista também. Quase todas dançantes, as 11 faixas foram produzidas com competência, envolvendo cerca de 30 músicos gravados por bambas como Thomas Dreher e Cláudio Knorr. Além de soul e samba, tem funk, reggae e canção romântica. Tonho Crocco, François Muleka e Roger Corrêa fazem participações especiais. Guitarras, metais e percussões destacam-se na sonzeira. Independente, pedido para producaoleomonassa@gmail.com por R$ 20 mais frete.
SÃO BONITAS AS CANÇÕES, de Sergio Santos
Em ação desde o início dos anos 1990, o compositor e cantor mineiro Sergio Santos tem uma obra reconhecida em oito discos e sólida parceria com o letrista Paulo César Pinheiro (assinam cerca de 200 músicas gravadas por grandes nomes da MPB). Mas nunca havia se mostrado como intérprete de composições alheias. É o que acontece no nono álbum, São Bonitas as Canções. O brilhante pianista André Mehmari, que o estimulou a fazê-lo, divide com ele a produção e chamou para compor o quarteto os ases Nailor Proveta (clarinete, saxes), Rodolfo Stroeter (contrabaixo) e Tutty Moreno (bateria). Sergio ficou à vontade para explorar sua bela voz em clássicos da música brasileira. A primeira faixa, de onde saiu o título do CD, é Choro Bandido (Edu Lobo/ Chico Buarque). Tem Preciso Aprender a Só Ser (Gilberto Gil), Tarde (Milton Nascimento/ Márcio Borges), Saia do Caminho (Custódio Mesquita/ Ewaldo Ruy), Falando de Amor (Tom Jobim), Terra das Palmeiras (Taiguara) e, entre outras, a nova Apenas o Mar (Mehmari/ Tiago Torres). Os arranjos fazem com que, mesmo cantado, este elegante trabalho tenha um espírito de música instrumental. Kuarup Musica, R$ 25.