Mais do que as restrições em si, é a falta de detalhamentos sobre aplicação e conceitos que preocupa entidades do agro brasileiro na legislação aprovada pela União Europeia. Em linhas gerais, o texto estabelece o veto à entrada de uma lista de produtos que sejam provenientes de áreas de desmatamento. Estão na relação carne, cacau, café, óleo de palma, soja, madeira, borracha, carvão e artigos à base de papel. O assunto foi tema recorrente nos balanços de final de ano.
— Nossa preocupação é com o impacto para o agro, e que a medida não seja além do necessário, que esteja de acordo com as regras internacionais da Organização Mundial de Comércio. O texto final da "due diligence" (verificação prévia, em inglês) ainda não saiu — pontuou Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), aos ser questionada sobre o tema.
A lei ainda precisa ser formalizada, o que é meramente um rito do processo — já não há mais espaço para alteração do texto, que é fruto de um consenso das avaliações feitas por Comissão, Parlamento e Conselho de ministros da União Europeia — explica Matheus Dias de Andrade, assessor de Relações Internacionais da CNA. A etapa seguinte é a publicação. A lei entra em vigor após 20 dias, mas há pontos, como o da exigência de rastreabilidade, que têm prazo maior, de 18 meses. Caberá às empresas a comprovação da origem desses itens, por meio de certificação. As mudanças passam a valer em 2024, mas são retroativas a 31 de dezembro de 2020.
Presidente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), e 2º vice-presidente da CNA, Gedeão Pereira entende que pelo que está colocado da nova legislação até o momento, o Rio Grande do Sul estaria mais longe de ser afetado, com a questão "pegando mais" Amazônia e Cerrado. Advertiu, no entanto, que poderia trazer impacto se o conceito for de avanço zero, ou seja, sem nenhum tipo de desmate, nem mesmo os que são autorizados pela lei brasileira:
— A Metade Sul, uma das novas fronteiras agrícolas do país, estaciona.
Esse é, aliás, um dos pontos levantados: o fato de a Europa não fazer distinção entre a abertura legal de terras (conforme a legislação do Brasil) e a ilegal, o que poderia representar um problema para produtores que seguem as normas nacionais.
— A Amazônia é uma região extremamente complexa, então, não podemos pura e simplesmente carimbar a ilegalidade como uma coisa total da região. Tem de ter uma separação clara de coisas feitas dentro da legalidade das que são feitas na ilegalidade — reforçou o presidente da CNA, João Martins, acrescentando que a regularização fundiária tem sido uma das bandeiras da entidade.
Outra questão levantada é a necessidade de que a verificação prévia seja feita por empresas da Europa. Economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz diz que "o problema não é seguir regras ambientais, mas sim, ter de contratar empresas deles para dizer que nós estamos fazendo algo certo, seja para vender para eles diretamente ou para outros países, à medida que algumas tradings assinaram esse tipo de acordo na COP27":
— É um "imposto" que temos de pagar para a Europa, é por isso que essa lei do parlamento europeu não passa pela garganta.
E, é claro, existe a menção ao ingrediente protecionista da medida, que não pode ser ignorada, mas certamente não irá barrar o avanço da legislação. Só mesmo as regulamentações ainda pendentes poderão dar mais clareza ao assunto.