Como o varejo está lidando com a crise? Quais são as projeções para o futuro? Como será o Natal de 2020? Esses são alguns dos assuntos sobre os quais a coluna conversou com José Galló, um dos maiores gestores empresariais do país e presidente do conselho de administração da Lojas Renner, na Live GZH desta quarta-feira (3). Confira a entrevista:
Logo no início da pandemia, o senhor falou conosco e reforçou a importância que precisávamos dar naquele momento para saúde, mas avisou sobre a economia. Falou que as coisas precisavam ser pensadas juntas. Desde então, o que mudou na sua percepção?
Naquele momento, estávamos no momento do pânico, o que é normal. Uma crise brutal que une saúde e economia. O medo é algo positivo, porque ele induz você à ação. Até tem uma analogia interessante, quando você está na floresta e aparece um leão, o organismo reage com estresse, o que faz você correr mais que o animal. O que vimos é que muitas coisas boas aconteceram. Muitas empresas passaram a ver que essa era realidade e tinha que ser feito algo. E assistimos a uma aceleração de processos e projetos. O surgimento de atividades que aparentemente levariam um tempo para acontecer. Começamos a ver a telemedicina, o ensino a distância, videoconferências, pessoas usando mais o digital. A transformação que esse país sofreu nesses últimos 90 dias talvez levasse um ou dois anos. É o momento em que temos oportunidade de nos educarmos. Nunca devemos deixar de aprender. E o que eu assisti de lives?! Costumo brincar que, do meu escritório e de casa, sem pegar avião, assisti pessoas brilhantes a custo zero. Eu vi tantas histórias. O proprietário do maior laboratório farmacêutico do país falou de um projeto que levaria 3 anos e R$ 100 milhões para executar, mas fez em 3 meses por R$ 10 milhões. Lógico, não podemos ser "Poliana" (personagem que tradicional que só vê o lado positivo). Aconteceram muitas coisas, mas estamos hoje em uma fase um pouco melhor, já temos reações. Vamos ter pessoas diferentes, empresas diferentes, mas também, infelizmente, aquelas pessoas que, com o medo, se assustaram, ficaram no lugar, o leão devorou.
Ouça a entrevista completa para a coluna:
O senhor acha que a reação das empresas foi rápida. Mas e dos governos?
Aconteceram muitas coisas boas. Você teve essas medidas provisórias que viabilizaram a negociação de redução de salários ou uma postergação de contratos, onde praticamente o governo entrou com uma parte e as empresas com uma parte menor. Posso dar exemplo da Renner. A companhia não demitiu e praticamente 85% ficou nesse período com a mesma renda. Lógico que tem um compromisso de não demitir (contrapartida para as medidas do governo), mas infelizmente algumas empresas não usaram o mecanismo porque ficaram inseguras. Além disso, foram criadas linhas de crédito que foram colocadas à disposição. Os bancos tiveram um aumento brutal de solicitação de crédito. Só para você ter uma ideia, tenho o número do Itaú, que aumentou em 326% o crédito para pequenas e médias empresas. Agora, uma parte do que governo anunciou, principalmente para pequenas e médias empresas, ainda não está regulamentado e, por isso, não chegou ao mercado. O grande desafio é que esses R$ 900 bilhões se prolonguem na economia. Se não, vamos ter problemas sérios. Esse dinheiro não nasceu em uma árvore, significa o endividamento do governo e óbvio que vamos pagar essa conta. Se não fizesse isso, teríamos uma situação dramática.
Essa crise começou na saúde e se espalhou pela economia. O senhor sempre fala que já passou por outras crises. O que essa crise é diferente das outras pelas quais o senhor já passou?
No fundo, uma crise é um grande teste para o seu modelo de negócio. Se ele é competitivo ou não. Empresas que têm diferenciais, que fazem as coisas diferentes, vão sobreviver. Principalmente, aquelas que, com a crise, resolveram inovar. Assim como empresas fecharam. Uma coisa que não concordo muito é quando dizem que a crise atinge principalmente as pequenas e médias empresas. Ela impacta quem não tem diferenciais competitivos, ou que não faz coisa alguma. Pode ser uma pequena, média ou grande empresa. Todas as grandes hoje já foram pequenas. E quem avalia é o consumidor. Então, sei que é um pouco difícil empresas ficando pelo caminho, mas há muitas histórias positivas nessa crise.
A própria Renner precisava estar bem estrutura para tomar as decisões que tomou, como ser uma das primeiras a fecharem lojas e agora fazer uma retomada bastante gradual.
Uma marca se faz com comunicação e atitudes. Todo esse cuidado engrandece uma marca, gera confiança. E, certamente, o consumidor, temeroso, irá procurar primeiro essa empresa.
Muitas empresas tiveram que entrar nos canais digitais, como será o e-commerce após a pandemia? O senhor tem investido em startups com bastante tecnologia.
Antes de olhar os canais digitais, precisamos olhar o mindset do empreendedor, quem tem boa cabeça e reage mais fácil. Investimos em uma série de empresas, com um pessoal bastante jovem e que tem menos medo. É um pessoal que chega e diz assim: "Puxa, a coisa não está dando certo, vamos pivotar, procurar uma solução, testar e ver." Não deu certo? Vamos de novo. É um pessoal que tem uma cabeça de buscar soluções e não se acomodar com poucos recursos. Faz bem ter esse espírito de startup e colocar em uma empresa tradicional. Mas, voltando para a sua pergunta, impressionante como algumas dessas investidas fizeram coisas novas e se transformaram em 90 dias. No varejo, vemos o omnichannel, que é aquela oportunidade de a empresa dar oportunidade para quem quer comprar, onde quiser, como e quando, tanto em uma loja física como digital, criando uma plataforma que seja coerente e que encante clientes. Como? Muitas pessoas passaram a usar o digital. Quem não está nesse jogo, vai ficar pelo caminho. Existem hoje formas de pequenas empresas operarem no digital mesmo tendo uma ou duas lojas. Existem startups especializadas em colocar uma pequena ou média empresa em uma plataforma digital em cinco dias. Não tem desculpa. E as pessoas não vão voltar atrás. O consumidor experimentou a facilidade e a rapidez. Na loja física, é o tempo da fila. No digital, é a demora para entregar o produto. As coisas vão se ajustando com novas formas de fazer, mas sempre procurando encantar o cliente. O que vamos ver são formações de ecossistemas com lojas físicas, digitais, agregações de soluções financeiras, uma transformação na forma de vender e operar negócios.
Os mais otimistas falam que a retomada da nossa economia será em "V". Outros dizem que será em "U". Já os mais pessimistas apostam no "L". Para o senhor, como será nossa retomada?
A primeira coisa a avaliar é a questão de não termos o repique, de não ter o controle e você ter criar uma nova curva. Aí, seria desastroso. Outros países foram mais cuidadosos do que a gente, onde há domínio da curva e a volta da normalidade. Eu torço que isso aconteça no Brasil. Vemos alguns Estados que estão fazendo seu dever de casa melhor. Outros, nem tanto. Vamos ter uma queda do PIB em 2020 de 5% ou 6%. Provavelmente, voltaremos para a normalidade em 2022. Eu torço para estar errado, mas eu sempre pensei em ser realista e me preparar para esse cenário. Tudo que vier melhor, que bom. Agora, esse é o cenário geral e não significa que todas empresas seguirão essa velocidade. Qual velocidade que eu quero e o que farei para atingi-la? Todos nós temos um potencial enorme. Eu tenho um cérebro, você tem, todos os varejistas. Mas, infelizmente, 90% das pessoas usam 10% do potencial. Olha, meu amigo, use 70% ou 80% e, em 2021, você já voltou à normalidade.
E o Natal, presidente? Como será?
Acho que vamos ter um Natal, apesar de tudo, razoavelmente bom. Historicamente, quando você tem um ano de muitas dificuldades, o pessoal dá uma liberada na data. A emoção começa a tocar. Não será um Natal milagroso, mas pode ser a confirmação de que as coisas estão voltando e acelerar o processo de confiança.
Todos começamos sendo pequenos
JOSÉ GALLÓ
Presidente do conselho administrativo das Lojas Renner
E que dica você daria para os pequenos empresários?
Tem um cachorro bem pequeno que é o chihuahua. Eu já imaginei ele me atacando e eu sou bem grande. Então, meu amigo, seja um chihuahua com cabeça de leão. Tire da cabeça que, por ser pequeno, está destinado a sofrer e quebrar. Todos começaram assim. Mas os pequenos inovadores, resilientes, que tentaram mais de uma vez. Experimente uma, mude, experimente pela segunda. Faça uma coisa diferente. Se você fizer a mesma coisa que os outros estão fazendo, há pouca chance. Se você faz pior, vai morrer.
Colunista Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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