O programa Acerto de Contas (domingos, às 6h, na Rádio Gaúcha) conversou com Pedro Bartelle, CEO da Vulcabras Azaleia, uma empresa de calçados com unidades no Rio Grande do Sul, Ceará e Bahia e que gera 14 mil empregos. Na conversa, Pedro falou sobre como a empresa está lidando com a pandemia do coronavírus, sobre o protocolo de 27 páginas criado pela Vulcabras Azaleia para proteger seus funcionários e sobre um projeto de empreendedorismo digital. Confira.
O que mudou desde o início da pandemia?
O que mais muda são as incertezas. Todos esperavam que essa suspensão das atividades fosse por um período mais curto. As empresas e pessoas se prepararam para uma paralisação menor, de um mês mais ou menos, onde cortaram alguns custos e seguraram as despesas. O que acontece é que esse mês se prolongou e nós já estamos passando, praticamente, por dois meses. Infelizmente, vemos uma retomada mais lenta. Isso já ocasionou vários problemas. No nosso setor de calçados, vemos uma demissão maior, de 10% do contingente no Brasil. Não é o nosso caso, estamos resistindo bastante, por vários motivos. Acho que temos um produto bastante adaptado para a retomada, mas, infelizmente, as incertezas e um pouco da desunião que está havendo entre os Estados têm preocupado bastante.
Como está hoje a estrutura da empresa?
Nós fomos uma das primeiras empresas que resolveram suspender as atividades, ainda no final de março. Demos férias aos funcionários e, no mês de maio, começamos a usar a medida provisória do governo e a retomar as atividades nos Estados onde era permitido. Só para dar uma dimensão do tamanho do nosso negócio, temos fábrica no Ceará, na Bahia e no Rio Grande do Sul, onde temos o maior centro de desenvolvimento e tecnologia da América Latina. São 600 pessoas em Parobé. Com escritórios em São Paulo, ao todo, são 14 mil funcionários atualmente. Felizmente, há três semanas, nós retomamos as atividades de produção na Bahia. Eu falo com muita felicidade que começamos a trabalhar em jornada reduzida, com todas as medidas de segurança, protocolo e controle. Não tivemos problemas. Em Parobé, no Rio Grande do Sul, recomeçamos as atividades praticamente há 10 dias, onde fazemos nossos materiais e confeccionamos as matrizes. Só é um escritório bastante diferente. Hoje, todas as pessoas estão de máscara, todas as pessoas têm protocolo de segurança na entrada, refeitórios e vejo que elas estão muito bem cuidadas dentro das nossas unidades. Isso é importante de falar porque essa quarentena tem acontecido em alguns lugares, mas a maior parte da população não está realmente em casa. Muitas pessoas estão na rua. Aquelas que estão dentro das nossas unidades, trabalhando, estão muito protegidas, em um ambiente muito seguro.
Assista a entrevista completa em vídeo:
Como adotar essas medidas rapidamente? Quais empresas e departamentos vocês mobilizaram? Qual o custo disso?
Quando definimos, no final de março, suspender a produção, criamos um comitê de crise para preparar essa retomada geral. Incluiu até mesmo a definição de novos produtos para encarar uma retomada de um poder aquisitivo diferente. Ampliamos o home office e trabalhamos muito com nosso pessoal de tecnologia e de recursos humanos, criando protocolos. Além de observar todas as regras da Organização Mundial da Saúde (OMS), nós criamos os nossos protocolos, e são impressionantes 27 páginas de protocolos criadas para retomar as atividades. Durante esse período, nós educamos, informamos todos os nossos funcionários sobre como eles deveriam se cuidar, mesmo fora da empresa, e hoje, quando ele sai da casa até voltar, deve adotar todos os protocolos que nós criamos. Tem esterilização da sola do sapato antes de entrar na indústria, aumento de enfermeiros e médicos nas nossas unidades, controle de entrada e saída, também aleatórios. Intensificamos medidas de segurança, colocamos, por exemplo, nos escritórios, acrílicos para dividir as pessoas. Isso tem um custo, é verdade. Mas o maior custo que pode existir é ficarmos parados. Essa cadeia não estar girando, não estar produzindo nossos calçados, faturando, entregando. Esse é o maior custo. A medida provisória veio para ajudar. Um dos nossos maiores custos, realmente, é mão de obra. Estamos evitando ao máximo ter de fazer qualquer tipo de diminuição no nosso negócio. Por enquanto, não há. Estamos conseguindo retomar lentamente. Acreditamos muito que os nossos produtos, principalmente a nossa marca Olympikus, que é marca líder de mercado no Brasil, vão jogar um jogo importantíssimo nessa retomada, por ser o melhor custo benefício, um produto de preço bastante acessível, mas os negócios precisam voltar. O comércio precisa voltar e acho que nós já tivemos tempo suficiente para a preparação. E vejo pelas nossas unidades, tanto aqui no Rio Grande do Sul, em Parobé, quanto na Bahia, onde já retomados a produção e tem funcionado muito bem.
Para vocês, qual o cenário de volta da economia?
Eu gosto de dizer que, no início, eu ainda era otimista, agora eu sou esperançoso. Isso porque depende muito da retomada do comércio, que será um pouco mais lenta. Eu acredito que nossa empresa, sim, pode, ter uma retomada em "V", pelas particularidades do nosso tipo de negócio. Nós temos agilidade e rapidez muito grande. Conseguimos entregar para o mercado reposições mensais. Os nossos grandes concorrentes, que são os importadores, se planejam por semestre. Então, pela particularidade do nosso negócio, acredito que nossa empresa será uma opção muito boa na retomada porque faz com que nosso cliente não precise fazer grandes aportes. Então, se retomar rápido, conseguimos entregar rápido e repor rápido esses produtos. Mas, eu acredito que a normalidade dos negócios está mais para o final do ano. Acho que o ano de 2021 será um ano bom. Ainda tenho essa expectativa. O ano de 2020, nós vamos ter problemas, sim. É inevitável que as empresas mudem o seu orçamento para um orçamento de resultados bem menores.
Vocês são indústria, mas dependem muito de as pessoas consumirem. Essa percepção de vocês, em relação ao futuro, é importante também para o varejo. A perspectiva é de retomada já a partir do final do ano. Com todas essas demissões, essa mão de obra conseguiria voltar ao mercado de trabalho para gerar renda ainda em 2020?
Acho que alguns setores ainda conseguiriam ter uma retomada neste ano, mas, na sua grande maioria, acredito que não. Acredito que desemprego não se recupera em 2020, mas tem plenas condições de se recuperar em 2021. Eu não acredito que até o final do ano tudo se normalize. Vai demorar mais tempo, infelizmente. O nosso setor depende muito de algumas variáveis. Com o dólar mais alto, o câmbio nos protege um pouco, mas a Ásia vem produzindo muito calçado e sofreu menos do que os outros países. Isso me preocupa. Acho que devemos criar um nacionalismo mesmo, uma preferência dos produtos nacionais, e cuidar muito com importações predatórias que podem vir, como em outros anos.
Mesmo com o câmbio neste patamar?
O câmbio ajuda, eu confesso. Sabemos que essa volatilidade não é boa, porque nós também temos matéria prima importada. Mas é a menor parte, sendo praticamente toda a produção feita no Brasil. O câmbio protege, mas há vantagens competitivas dos países asiáticos, com níveis de salários e condições que o Brasil não tem. Aqui, os funcionários ganham um salário bom, têm cestas básicas, vários auxílios e isso gera um custo até três vezes maior. Não sei, mas acredito que o errado não seja o Brasil. O que está errado são os países asiáticos. Com a mão de obra intensiva e importante na nossa indústria, essa falta de competitividade é o que nos prejudica. Todas as máquinas, todos os softwares, toda as ferramentas que existem à disposição da indústria para produção de calçados, o Brasil tem. O Brasil não é deficitário em tecnologia. Inclusive, nossa fábrica é super moderna, com as melhores injetoras, melhores máquinas de corte e costura. Nós não perdemos para Ásia nisso. Mas, acho que, além disso, vai mudar um pouco a percepção do consumidor mesmo. Esse nacionalismo vai ter que vir para ficar. Vai fazer um pouco de diferença, não total, mas vai fazer um pouco de diferença. E o Brasil precisa se proteger um pouco, incentivar essas indústrias nacionais. A indústria do calçado é uma indústria que emprega muitas pessoas. Veja nossa fábrica, que tem a marca Azaleia, Olympikus e, agora, compramos a licença da Under Armour do Brasil por 10 anos. São muitos postos de trabalho, fora todos indiretos e tudo que movimenta na cadeia para fazer um faturamento grande, de R$ 1,5 bilhão. E se você ver, há várias outras empresas que faturam muito mais e que empregam muito menos. Então, quem emprega, quem está comprometido com o Brasil, eu acho que devia ter um pouco de preferência neste momento.
Vocês exportam bastante?
Do nosso faturamento, 13% vem de exportação. Falo só de Vulcabras Azaleia, já que a nossa família também é dona da Grendene, mas é outra administração. A Vulcabras Azaleia tem majoritariamente calçados esportivos, sem uma competitividade tão grande para exportar. Indústrias como de chinelos têm maior competitividade.
Agora, vamos falar do projeto Corre Junto, que vocês lançaram agora.
Esse é um projeto que eu tenho olhado de muito de perto, porque é uma criação minha dentro da empresa. Quando vimos a suspensão dos negócios, intensificamos a venda pelo nosso e-commerce. Majoritariamente, nossa venda é feita em loja física, com mais de 10 mil clientes. A Olympikus tem uma relação com a comunidade do esporte, desde patrocínios do comitê olímpico, Seleção Brasileira de Vôlei e futebol. É muito forte em maratonas. Por sermos o maior vendedor de tênis do Brasil, queremos democratizar o esporte e pensamos em uma maneira de ajudar toda essa comunidade que está parada, sem gerar faturamento, e movimentar nossa indústria. Então, nós criamos uma plataforma digital vinculada ao nosso site que se chama Corre Junto. Ali, convidamos esses profissionais para se tornarem empreendedores digitais. A pessoa que tem um CPF, se cadastra no site, recebe um código e, através de sua relação, começa a vender esses produtos. Aí, através do código que pegou com o empreendedor digital, o cliente entra no nosso site, compra e digita o código. Nas primeiras compras, damos 20% de desconto e o afiliado, esse empreendedor digital, ganha 10% em cima de cada venda, que é um valor expressivo pelas margens que a indústria tem. Além disso, nós criamos, dentro da plataforma, uma espécie de escola onde esse empreendedor aprende estratégias de venda, com uma página onde vai poder gerenciar vendas, comissões e entregas. Em dois dias, tivemos mais de 600 pessoas inscritas, mas pretendemos ter 10 mil no primeiro mês. As vendas já estão sendo geradas e, com isso, é um projeto "ganha-ganha". Um braço novo da empresa que nós criamos. E acredito que, não só agora, mas, no futuro, vai continuar.
Além desse projeto, como está o e-commerce de vocês?
Aconteceu toda uma aceleração digital neste momento de pandemia. Desde comunicação entre as pessoas e, realmente, a compra digital. Acredito que as pessoas que tinham algum receio de comprar através das plataformas digitais foram experimentar. Vemos isso nas vendas. Nosso site cresce muito nesse momento, e nossos parceiros que vendem através de e-commerce também. É verdade que muito das vendas digitais, dos canais de e-commerce de vestuário e acessório cresceram, e alguns deles não cresceram muito saudáveis, porque a venda é muito sazonal, como sapato feminino, que nós temos também como Azaleia, e o vestuário em si, que depende de inverno e verão. Então, como as lojas estão fechadas, os canais de e-commerce se tornaram não só a única opção, mas a necessidade de escoar uma produção e um produto bastante sazonal. Vejo vários setores vendendo muito mais que vendiam normalmente, mas a preço mais baixo, sem conseguir ter boas margens. Nós acreditamos muito nessa transformação digital. Por isso, não só esse programa de afiliados, mas o e-commerce já vinha crescendo bastante.
Já tem um percentual de aumento de vendas digitais?
No nosso caso, te confesso que nosso e-commerce não é tão representativo. Como temos uma marca bastante democrática e vende não só em canais esportivos, mas em sapatarias. São mais de 10 mil clientes. A maior parte das nossas vendas é feita nas lojas físicas. São 300 pessoas dedicadas à venda dentro da empresa. E esses não estão contabilizados nos 14 mil, porque eles são representantes comerciais. Mas o e-commerce veio para ficar e cresce exponencialmente. Entre os nossos cinco maiores clientes, dois têm e-commerce próprios, e o nosso vem dobrando de tamanho a cada ano. E, com esse foco no digital e, infelizmente por causa dessa pandemia, ele deve crescer mais ainda. Eu acredito que, rapidamente, nos próximos anos, ele se tornará muito importante, mas não se tornará mais importante do que a venda física, no que diz respeito a uma marca como nossa. Para um negócio mais nichado, acredito que a venda online já é mais importante hoje. Mas, como temos uma marca bastante democrática e com uma distribuição tão ampla, pode chegar a 30% nos próximos dois anos.
E quantos desses 14 mil funcionários ficam no Rio Grande do Sul?
No Rio Grande do Sul, são 680 pessoas trabalhando na empresa, incluindo toda a parte estratégica e de desenvolvimento. São os maiores salários, pessoas de criação e uma mini fábrica que faz alguns produtos especiais. São itens de posicionamento, como os que fazemos para vender em canais como Alexandre Herchcovitch.
Tu estás em Porto Alegre?
Sim. Eu fico mais aqui, onde temos o centro de tecnologia e desenvolvimento. Em São Paulo, tem o escritório com a parte mais comercial. Eu fico 2/3 aqui e 1/3 em São Paulo, é a minha vida desde que adquirimos a Azaleia em 2007.
Qual seria a tua dica para os pequenos empresários?
Com toda segurança, tentem vender e reabrir os negócios, mesmo que trabalhando com menos pessoas em um momento. Usem as medidas provisórias. Peçam para seus fornecedores ajudarem, porque, em alguma parte da cadeia, vai existir um crédito. Acho que o governo, de uma certa maneira, tem tentado e conseguido ajudar um pouco. E ter confiança. Infelizmente, o ano vinha começando muito bom e veio a pandemia. Mas eu acredito que todas as crises passam e nós vamos, ainda neste ano, retomar bem as atividades. Otimista para 2021, esperançoso para 2020. E nós vamos estar muito bem. O Brasil é um país riquíssimo que não está rico. Então, acho que temos muita oportunidade pela frente.
Colunista Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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