A luta contra o coronavírus tem quatro grandes desafios, segundo o CEO do Hospital Sírio-Libanês, um dos líderes que atuam no combate à pandemia no país. Paulo Chapchap lista o sanitário, que é óbvio, o econômico que começou a ser mais discutido desde o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro na terça-feira (24), o social e até mesmo o logístico, que o médico separa da economia. Chapchap falou para investidores em uma transmissão da corretora XP Investimentos.
Um dos primeiros pontos sobre o qual foi questionado é o isolamento vertical, que o presidente da República e diversos empresários consideram como a solução para minimizar os impactos econômicos da pandemia. O CEO do Sírio-Libanês pondera sobre as peculiaridades do Brasil. O país tem uma população significativa morando em favelas, onde cinco pessoas dormem no mesmo cômodo, diz ele, o que afetaria a efetividade dessa opção.
- A gente enxerga a realidade de perto de nós, mas o Brasil tem características bastante diferentes. Quando as pessoas querem comparar a gente com o norte da Itália, dizem que lá tem 30% de idosos e aqui temos 10%. Mas temos uma dificuldade sanitária muito grande. Não existe isolamento domiciliar para quem está gripado nessa camada da população. Tirar a situação do contexto social é um erro que não podemos cometer.
Paulo Chapchap disse que se assusta quando as pessoas começam a sugerir isolamento "assim ou assado". Reforça que não há dados para saber o tamanho da crise da covid-19. A curva de incremento de casos no Brasil é parecida com outras, mas ainda faltam informações, ainda mais pelos testes não serem feitos em massa.
- Tem variáveis que a gente não controla e, quando isso ocorre, o potencial é de uma crise muito grande com o esgotamento no sistema de saúde público e privado. Então, tem que tomar medidas muito mais drásticas do que se a gente tivesse todos os dados: fazer a quarentena, o isolamento social.
O executivo lembra que a estrutura tem gargalos diversos além dos leitos e dos respiradores que tanto se fala. Chapchap aponta os profissionais de saúde, que 30% são contaminados.
- Aí, tu tem que isolar essas pessoas por 14 dias para que não contamine mais ainda. No curto prazo, gera uma alta mortalidade nas camadas mais vulneráveis que não têm acesso à estrutura tão desenvolvida como a saúde suplementar. E isso, por si só, já justifica medidas de isolamento e assistência social.
Uma "quarentena inteligente" é defendida pelo CEO do Hospital Sírio-Libanês. Segundo ele, é não parar o país inteiro porque faltarão insumos para assistência sanitária. E ainda diz que é artificial a discussão se é todo mundo ou ninguém, sobre o isolamento total ou o não isolamento.
- Claro que não é todo mundo que vai parar. Se não, ninguém come e as pessoas morrem. A gente paralisa relativamente o país e deixa os mais jovens. Tem que funcionar como está. Não faz sentido fazer baile funk, festa de casamento, aniversário, passeio no shopping. Se não, você vai ter uma curva de contaminação muito íngreme, que esgota o sistema de saúde de qualquer país do mundo.
Aqui, Paulo Chapchap enfatiza que, em pandemias, não são as características do lugar que determinam a taxa de mortalidade:
- É o grau de esgotamento do sistema de saúde que indica qual é a taxa de mortalidade que você vai ter. Estamos aumentando a nossa capacidade instalada, mas não existe sistema de saúde mundial que consiga controlar uma pandemia sem medidas rápidas de contenção ao vírus.
Segundo ele, todos estão esperando o desenrolar das curvas para depois diminuir as políticas de isolamento.
- Ninguém quer ficar como o norte da Itália. Aquilo é um desastre completo. As pessoas morrem em casa por falta de assistência. E esse potencial existe para todo mundo, se a curva de desenvolvimento da doença for muito rápida. Você, então, aplica medidas extremamente rigorosas no começo e vai afrouxando conforme a curva decresce. Afrouxa para as pessoas menos vulneráveis até chegar às mais vulneráveis no final do processo.
E sobre a política de contaminar a população menos vulnerável, na tentativa de movimento de rebanho para ter individuais imunizados, isso vai acontecer naturalmente. Cita ainda um teste de sangue que deve começar a ser usado:
- Ele mostra se você tem anticorpos, te dá tranquilidade. A partir disso, pode se começar a ser mais liberal com esses "clusters".
Sobre a cloroquina, enfatizou que ainda não há resposta científica ainda e que ela tem sido usada em casos graves, entre as últimas opções. Alerta para a alta toxicidade, com efeitos colaterais que podem ser permanentes.
Colunista Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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