Na última semana, a coluna noticiou que a Accor, grupo francês dono do Ibis e Novotel, está trazendo também para o Rio Grande do Sul a modalidade de room-offices, escritórios individuais instalados no lugar de alguns quartos dos hotéis da rede. Para falar mais sobre isso, e também saber como o grupo está vendo a situação hoteleira no país durante a pandemia, confira uma entrevista exclusiva com Patrick Mendes, CEO da Accor na América do Sul.
Como a empresa, com essa atuação tão grande no setor hoteleiro, vê esse momento da crise provocada pela pandemia?
A crise é muito pesada para o nosso setor. O turismo, de maneira geral, foi impactado. Algumas empresas tiveram queda de 20%, 25% de volume de negócios. No nosso caso, foi um recuo de 80% a 90%. Foi brutal e surgiu muito rapidamente a partir de 15 de março. Atingiu em especial companhias aéreas, hotéis e agências de viagem. Hoje, acho que o pior passou. Espero. Quando falo do mais difícil, fechamos os hotéis, tivemos que tomar decisões muito rápidas para reagir, porque os custos na hotelaria são muito elevados. Então, se você não tem receita, tem que agir rápido. E já estamos nos preparando para retomada, abrindo vários hotéis. Então, realmente, é um momento menos desagradável e sendo específico sobre a Accor, que é o maior grupo da América do Sul. No Brasil, somos 340 hotéis, mas tivemos que fechar 75% dos hotéis. Dos 400 que temos na América do Sul, deixamos cem abertos mais ou menos e que continuam trabalhando. Ao longo do mês de junho, teremos 250 hotéis abertos.
Chamou a atenção uma medida que vocês tomaram chamada de room office, transformando quartos em escritórios. De onde surgiu a ideia e como é aplicada?
Um hotel, para que abra, precisa ter no mínimo de 25% a 30% de clientes. Então, deixei minha equipe de inovação e marketing trabalhar, para procurar novas tendências. Um movimento muito simples e evidente agora é o home office. Mas nem todos têm as mesmas condições de ter um escritório em casa. Ao mesmo tempo, nós temos quartos vazios. Então decidimos, em todos hotéis que estão abertos ou reabrindo, transformar uma parte dos quartos no que chamados de Room Office by Accor. Podem ser cinco quartos ou um piso inteiro e você pode ter um hotel Ibis ou Novotel a cem metros da sua casa. Não precisa andar 45 minutos de carro para chegar ao escritório ou ainda ele estará fechado. Retiramos a cama, colocamos um escritório, uma máquina de café e você pode encomendar um serviço de quarto. Cobramos de R$ 90 para um Ibis até R$ 250 para um hotel de luxo, com toda a segurança, protocolo sanitário, higienização dos quartos e serviço de hotel internacional.
E não gera um custo muito alto para empresa, eu imagino.
Exato. Infelizmente, vai demorar até voltar a 100% da ocupação. Consideramos que vai demorar de 6 a 8 meses para chegar a um nível de ocupação aceitável, de 50% a 60%. E só em 2021 vamos voltar ao patamar de 2019. Ou seja, 15 meses até um cenário normal. Durante esse tempo, retirar a cama e colocar móveis de escritório não gera um custo elevado e você consegue vender o quarto durante o dia. O retorno foi fantástico. Temos empresas que recomendam isso para seus funcionários, que dizem "eu pago para o meu colaborador, duas vezes por semana, ter um escritório com condições, wi-fi e fotocópia". É uma solução que foi além do esperado. As pessoas estão reagindo muito bem.
CEOs de companhias aéreas falam sobre diferenças de retomada no turismo doméstico e internacional. E ainda no turismo de lazer e de negócios. Como Accor trabalha isso?
Isso nos traz uma luz no fim do túnel. A grande diferença das companhias aéreas e hotelaria, e por isso talvez seremos menos impactados, é que temos a possibilidade de ter um turismo doméstico de carro, e que já está voltando. Eu tenho todo dia uma chamada com os meus pares mundiais. São cinco CEOs. Eu falava hoje de manhã com o CEO da Ásia e o da Europa. Na China, reabrimos há quase dois meses. Impressionante como está retomando. Já temos hotéis com 45% da ocupação. E temos hotéis de lazer que estão chegando à 70%, 80% de ocupação no fim de semana. Pessoas que não querem mais ficar confinadas. Então, quando abrir, você garante que tem um protocolo de higiene muito bem estruturado nos hotéis. As pessoas viajam. Vão de carro, vão para a praia, para a cidade, e querem sair de casa. Aqui e na Europa, está acontecendo a mesma coisa. Nesta semana, reabrimos vários hotéis na França, na Espanha, na Itália e na Alemanha. Tivemos hotéis com mais de 45% de ocupação. Quero ser cauteloso, mas dá um certo ânimo. Acredito que o brasileiro vai rapidamente voltar a sair. Hoje, são 90 milhões de brasileiros que viajam pelo país e 6 milhões que são turistas internacionais.
E essa vontade de viajar fica represada, não é mesmo?
Temos que aceitar o fato de as pessoas estão com menos renda porque tiveram corte no salário. Isso vai atrapalhar um pouco. Tem dois tipos de pessoas. Tem as pessoas que viajam para fora, com um nível de gasto importante e que não o farão porque será proibido, não querem arriscar ficar em quarentena no retorno ou é muito caro com o câmbio atual. Elas vão querer viajar pelo Brasil, de avião ou de carro. Há ainda os brasileiros que já viajavam domesticamente e são 90 milhões. Eles não aguentam mais, vejo pessoas que se arrependem de não ter visitado tal familiar ou uma região do Brasil. Durante esses dois meses fechados, todos fomos para a internet, ver documentários, estimulados a ver coisas, e agora queremos viajar. Então, isso pode ser um efeito forte do retorno. As pessoas que vão pegar o carro inicialmente, depois o avião, e vão viajar. É fantástico o que dá para fazer no Brasil.
Quais são os protocolos de higiene e de segurança que vocês estão adotando nos hotéis?
O que temos que garantir é que você tenha a tranquilidade de ter um hotel seguro, limpo, sem risco de pegar coronavírus. As pessoas estão com medo. Então, estamos implementando o protocolo com faixas. Primeiro, as definições dos governos, como distanciamento, máscara e álcool gel. Depois, as medidas que a Accor decidiu implementar, que são 150 protocolos adicionais específicos do grupo. Por exemplo, se você fica quatro dias no hotel, não vamos entrar no seu quarto a menos que exija. No quarto dia, vamos trocar você de quarto para um novo. O que você usou ficará de 24h a 48h sem intervenção humana para depois ser feita uma limpeza completa, muito mais profunda. Nos restaurantes, você alguém servirá você no bufê. Também assinamos uma parceria com uma empresa chamada Bureau Veritas, que validará a implementação dos protocolos em todos os hotéis. Vai ser quase mais seguro do que ficar em casa e eliminaremos essa angústia.
O senhor falou sobre a retomada em alguns países da Europa. Tem alguma peculiaridade da situação aqui na América do Sul, que seja diferente da Europa, da China?
Sim. O que não é diferente, infelizmente, é que a pandemia chegou na mesma maneira aqui como em muitas regiões. No início da pandemia, pensávamos que seria menos impactante. Na realidade, foi da mesma maneira, com a mesma brutalidade. Mas, na China, foi um confinamento muito rígido e conseguiram controlar a pandemia muito rapidamente, abrindo após seis semanas. Aqui, não queremos entrar em assuntos políticos, mas as divergências no tratamento alongaram o confinamento. Agora, vamos chegar a três meses. Quando você tem seis semanas de um lado e três meses de outro, isso nos obriga a repensar a estratégia de abertura.
O senhor tem em mãos os dados daqui do Rio Grande do Sul? Os dados da rede?
Temos um grupo de franqueados muito conhecido no Sul, que é o Atrio. Reabrimos o Ibis Porto Alegre Moinhos de Vento e o Ibis Aeroporto, e, surpreendentemente, já estão chegando com 20%, 25% da ocupação. A previsão é termos de 10 a 12 hotéis abertos até o fim do mês de junho. O problema é a decisão. Se você não abre, não tem demanda. E, em algum momento, vamos ter que arriscar. E queremos ser os primeiros a arriscar. As marcas Ibis, Novotel e Mercur são bem conhecidas. Então, se você vai viajar amanhã, acho que as marcas vão ter força. Você quer ter uma certa segurança. Até o final de julho, entre 80% e 90% dos hotéis estarão reabertos no Sul.
Colunista Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
Siga Giane Guerra no Facebook
Leia aqui outras notícias da colunista