Quando se fala da aversão ao risco por parte do investidor com o avanço do coronavírus, grande parte se refere ao que está aparecendo agora nos comunicados de grandes empresas para o mercado. Elas estão avisando que suas metas para o primeiro trimestre não serão cumpridas. Chamados de guidance, os compilados das projeções para os negócios, divulgados pelas próprias companhias para dar previsibilidade aos acionistas, estão sendo revisados. Se o consumo dos chineses e também o fornecimento de suprimentos pelo país já é, há tempo, relevante para muitas empresas, a situação se agrava quando o vírus se alastra para outros países.
Ainda na semana passada, a Apple foi a primeira a acender o alerta vermelho dos investidores, antes mesmo do fechamento da fábrica da Samsung na Coreia do Sul ou do avanço da doença pela Europa, com a escalada nos registros na Itália. A fabricante do iPhone avisou que não alcançaria a receita prevista até março porque havia problema no fornecimento de peças para os smartphones, devido à suspensão nas fábricas da China.
Outras empresas apontaram na mesma direção. Desde marcas de luxo, como a Gucci preocupada com a queda no consumo chinês, até a Danone, tradicional fabricante de alimentos com sede na França.
À noite passada, foi a vez da Microsoft. Em comunicado, disse que o coronavírus estava já afetando a venda de computadores pessoais. Pouco depois, as ações da empresa começaram a cair com mais força. No início da quinta-feira (27), a maior cervejaria do mundo e controladora da Ambev no Brasil, a AB Inbev informou perda de US$ 285 milhões em receita no primeiro bimestre e atribuiu à queda de consumo provocada pelo coronavírus.
— Por enquanto, o maior efeito fica nas produtoras de commodities — salienta o analista de mercado Wagner Salaverry, sócio da gestora de fundos Quantitas. Ele se refere ao impacto de uma desaceleração da economia global no consumo de petróleo e minério de ferro, risco que já se reflete na desvalorização das ações da Petrobras e da Vale, por exemplo. Companhias aéreas também lideram perdas, baseadas no adiamento e até cancelamento de viagens.
Mas a coluna vem para mais perto. Diretor do Sindicato dos Lojistas de Porto Alegre (SindilojasPOA) e dono da rede de lojas de roupas Ishtar, Carlos Klein avisou a coluna que está antecipando a compra de vários tecidos sem produção de similares no Brasil. No entanto, já pagará com dólar mais caro.
— Por enquanto, não vamos repassar o aumento. Mas a informação é que na próxima compra vamos pagar mais. Em alguns casos, bem mais. Além da queda na oferta desses tecidos, em função da suspensão de embarques, e do aumento do dólar, os custos estão aumentando na China. Mas o que mais preocupa mesmo é uma possível queda de demanda nesse período onde esperávamos uma consolidação da retomada da economia brasileira — acrescenta Klein.
Atuando na área da saúde, a empresária Clair Silveira sente impacto nos insumos, seja no abastecimento quanto nos custos. Ela é presidente da Essencial Care, uma empresa gaúcha especializada no que se chama de "home care", quando as pessoas recebem cuidados de saúde na própria casa.
— Quanto aos pacientes, não houve mudança. Mas, com relação a materiais como luvas descartáveis e máscaras, existe dificuldade na compra por serem produzidos na China. Assim como no álcool gel, há aumento significativo dos preços.
Ainda na terça-feira (25), a coluna informou que distribuidores de placas para geração de energia solar estão avisando que haverá falta de equipamento já no final de março caso a produção da China não volte ao normal. O motivo é a suspensão em fábricas de painéis devido ao coronavírus. O alerta foi recebido também pelo sócio da Ecosul Energias Renováveis, Alan Spier. Com um estoque suficiente para quatro meses, a empresa de Nova Petrópolis, na serra gaúcha, está antecipando a compra de placas para não ficar sem.
— Praticamente 100% das placas solares que nós vendemos vêm da China. Com as fábricas de componentes fechadas, impede o fluxo normal de produção — complementa Spier.
Para fechar, e falando em termos mais macroeconômicos, o economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, avisa que está revisando para baixo a projeção de crescimento da economia brasileira. A expectativa de avanço de 1,9% será enviada nesta sexta-feira (28) para o Banco Central. A Farsul é uma das instituições ouvidas pela autoridade monetária para divulgar semanalmente o Focus. O relatório traz as projeções do mercado para a economia brasileira e, na última divulgação, ainda trouxe uma expectativa de +2,20% para o PIB brasileiro.
Impacto positivo também
É difícil acertar o tom dessa análise, e até por isso as empresas evitam comentar "em voz alta", mas há quem tenha seus negócios beneficados pelo avanço do coronavírus pelo mundo. E não são apenas os fabricantes de máscaras e álcool gel. Os empresários não estão, necessariamente, comemorando uma epidemia, mas admitem a expectativa de aumento de vendas.
Empresas brasileiras que disputam clientes com fornecedores chineses terão um mercado a preencher, com espaço inclusive para elevação de preços. É a velha lei da economia da oferta e demanda. A suspensão de fábricas na China e mesmo a retomada lenta na produção já está fazendo as companhias procurarem a substituição local para os insumos ou até mesmo produtos acabados. E isso vai de estruturas de aço até brinquedos. Aliás, dados da Associação Brasileira da Indústria de Brinquedos (Abrinq) mostra que a produção brasileira já respondeu por mais de 90% do consumo nacional. Com a entrada da China no mercado, caiu para 13%. Mas recentemente, conseguiu emparelhar no meio a meio praticamente.
Colunista Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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