Já fui filiado ao PT. A forma como tudo se deu foi um tanto tortuosa – mas também foi engraçada. Além de elucidativa, é claro.
Em fins da década de 1970, fui contratado pela TV Globo a peso de ouro (no caso, o peso do meu irmão, mais fornido). Pode ter sido erro de casting: buscavam um garoto-prodígio, mas, ao invés de Robin, levaram Peninha. A questão é que, embora eu tenha sido mui bem tratado e jamais voltasse a perceber salário tão alto, estávamos em pleno regime militar. E, como todos sabiam, a Globo apoiara o golpe – e ainda faltavam 25 anos para que ela pedisse desculpas. Por isso, julguei que lá não era o lugar adequado para um velho rebelde de 20 anos como eu exercer seu ofício. Nove meses depois, pedi demissão. Abandonei o salário de 65 mil cruzeiros e vim ganhar 16 mil no Coojornal, em Porto Alegre.
De início, me senti Maiakovski em 1917: trabalhava numa cooperativa, em nome da revolução. Então, no verão de 1980, um colega se aproximou e, em tom sedicioso e camuflado – simultaneamente melífluo e autoritário, como era o tom da época –, disse-me ao pé do ouvido: "Vamos formar um novo partido. O Partido dos Trabalhadores". Gostei da ideia. Eu trabalhava desde os 18 anos: era um trabalhador! O caso é que eu havia lido A Desobediência Civil, de Thoreau, venerava Bob Dylan e considerava Jack Kerouac um deus. Julgava, por isso, já ter meu próprio partido. Apoiaria aquele que surgia, mas filiar-me a ele não estava nos planos.
Só que o ponto era justamente este: "Já temos gente em todos os bairros...". Seguiu-se uma pausa dramática e veio o touché: "Menos no Moinhos de Vento...". Talvez o agente recrutador estivesse se referindo a sessões eleitorais, ou mentindo, mas o fato é que, com o olhar a lançar chamas e a voz férrea, ele mencionou, quase soletrando, o nome do lugar onde eu havia nascido, crescido e morava. E estendeu a ficha. E eu a assinei.
Não precisei de mais de um mês para descobrir que a rebeldia de Thoreau era tida como "infantil" e que, por serem norte-americanos, Dylan e Kerouac não eram bem-vistos nem bem-vindos. Fui instruído a substituí-los por Eduardo Galeano, Chico Buarque e Darcy Ribeiro. Ok, eu gostava desses também – e até do Gonzaguinha. Mas então, certo dia, ao lusco-fusco, caí no erro de aparecer com Gilberto Freyre sob o braço. Nem lembrava que, como a Globo, ele também apoiara "os milicos". Precipitou-se ali a crise definitiva, que redundou em divórcio litigioso, com ambas as partes alegando "incompatibilidade de gênios".
Sigo achando que meus gênios eram melhores do que os deles.
De todo modo, sou grato ao PT: dois anos depois, fui sorteado para ser mesário, mas, como fora filiado, dispensaram-me. Mas tem mais: naquela época, os militantes do PT pelo menos sabiam quem Thoreau, Dylan, Kerouac eram. Os integrantes dos outros partidos, não. E esses, ao contrário da Globo, ainda não pediram desculpas por terem apoiado tanta coisa ruim.