Conhecido como um dos maiores fãs de Bob Dylan no Brasil, o jornalista e escritor Eduardo Bueno, o Peninha, conversou com ZH algumas horas depois de seu ídolo ganhar o Nobel de Literatura. Com a propriedade de quem conhece como poucos o trabalho do bardo americano, tendo também se aproximado pessoalmente do cantor e de sua equipe, Peninha arriscou alguns palpites sobre como o prêmio deverá ser recebido pelo compositor.
Como foi receber a notícia do Nobel para Bob Dylan?
O telefone não para de tocar. Meu único consolo é que, como o cara é eterno, mas vai morrer um dia, não terei que passar por isso na eventualidade de ele vir a nos faltar (risos). É normal, né, pois tu sabe que eu sou o ghost dele, só falta ser o writer (risos). O melhor texto que escrevi sobre Bob Dylan foi quando ele fez 60 anos, em 2001. Escrevi me perguntando o que ainda faltava para o Bob Dylan fazer. A única coisa que faltava era morrer. Mas aí me dei conta de que nem isso faltava, porque ele já morreu várias vezes. Morreu como folk singer, renasceu como roqueiro, morreu em um acidente de moto, renasceu de novo... Nem morrer mais sobra. Se alguém dizia que ele estava morto, depois da trilogia Love and theft (2001), Modern times (2006) e Tempest (2012), já se deu conta que está bem vivo. E não se pode esquecer que ele toca neste final de semana pela segunda vez na Desert Trip, onde ele foi considerado o melhor pela imprensa no primeiro final de semana.
Leia mais:
Bob Dylan vence Prêmio Nobel de Literatura
Sete filmes sobre (e com) Bob Dylan
Bob Dylan: Nobel de Literatura é mais um prêmio na lista do cantor
Conheça os livros de Bob Dylan
Como foram os três shows de Bob Dylan em Porto Alegre
Escolha de Dylan para Nobel repercute entre escritores e personalidades
Como será que Bob Dylan reagirá à notícia?
Vou te dizer em primeira mão o que vai acontecer. Ele ganhou este Nobel e um dia, no dia seguinte, abrirá mais uma noitada do maior festival de rock do século 21 – pelo menos o maior até agora. Será a primeira apresentação como Nobel. Ele vai subir no palco e negar o prêmio. Vai dizer: "Esse prêmio tem que ser para o Henry Miller, o Lawrence Durrell, o Allen Ginsberg, o Jorge Luis Borges... Então enfiem no c* essa merda! Eu sou apenas um rapaz norte-americano com muito dinheiro no banco, com amigos importantes e vindo do interior".
De certa forma, é uma posição difícil, pois é uma prêmio que o deixa incensado, começa a ser levado a sério por um grupo diferente de leitores...
Concordo que há aí um aval do estabelishment, que ele deve estar se acostumando, pois já ganhou Oscar, Pulitzer, Grammy... O reconhecimento dos gênios de área intelectual ele sempre teve, o establishement é que demorou mais.
Então você acha que Dylan ficará indiferente ao Nobel?
Ele tem um comportamento autista altivo. Consegue se desvincular dessas chancelas, mas essa é muito pesada, é de vergar os ombros, né. Quem ganhou Nobel nos EUA? Eugene O'Neill (1888 – 1953), T. S. Eliot (1888 – 1965), Hemingway (1899 – 1961), Faulkner (1897 – 1962), Steinbeck (1902 – 1968)... E esses são apenas os que eu me lembro! Daí tu é o guri que vem lá do interior e entra nessa lista. Ele é muito reverente a seus heróis, visita o lugar onde cada um deles nasceu. Muitos desses heróis são músicos, mas há também muitos escritores. A relação dele com a literatura é muito veneranda. Então, de repente, tu pega um cara desses e coloca nessa estirpe. Não tem como ele não se sentir incomodado. Ele sabe que é um gigante, mas, quando tu tira ele desse circuito e o coloca dentro do rol dos maiores nomes da literatura, é muito pesado. Na minha opinião, não tem como ele não refletir sobre os caras que não ganharam. Ele era amigo e venerava Henry Miller (1891 – 1980). Por que o Henry Miller o o Borges não ganharam? Seria muito dylanesco ele dizer "agradeço, mas não aceito, esse prêmio era para o Henry Miller".
No Brasil, que compositores têm paralelo com Dylan?
Tá brincando, né? As comparações são sempre com o Chico, por conta do requinte da letras. Mas, para mim, não dá para comparar os dois. Se fosse para colocar alguém nessa, seria o Caetano, inclusive pela longevidade da carreira e pelas polêmicas. A diferença é que o Dylan entra nas polêmicas pela porta dos fundos, e o Caetano sai chutando a porta da frente.