Sexo puro – eis o tema primordial desta crônica, embora seja lícito supor que sob o eventual título "Puro sexo" ela talvez pudesse se mostrar, se não mais atrativa, com certeza mais bombástica. "O sexo dos anjos", porém, cumpre bem sua função, e duplamente, na medida em que primeiro dissimula e depois revela, pois o que aqui se propõe é o passeio imaginário por uma igreja repleta de estátuas de anjos que estão não só desnudos e em êxtase, como em cópula – em completa comunhão consigo próprios e com o cosmos. Cena de todo inconcebível nos templos religiosos do Ocidente, mas tão comum na Índia e noutras partes do Oriente.
É o sexo sagrado fertilizando o mundo – e mais do que meramente o mundo visível. Shiva e Parvati unidos num abraço que se prolonga por milhões de anos cósmicos e cujo rastro de prazer leitoso, qual a Via Láctea, funda e fecunda o universo. Krishna passeando pela floresta, atraindo com o som divino de sua flauta mais de mil lindas pastoras. E como está em toda parte, Ele as satisfaz ao mesmo tempo – e cada uma o tem para si e todas o tem por inteiro. Mas não se assombre: essa festa fálica é só metáfora das núpcias da alma com o divino.
Ainda assim, trata-se também da sacralização da união carnal, que o Ocidente sempre se empenhou em refutar com estridência, quando não com asco. Mas, antes de culpar o Evangelho e a Igreja pela cisão entre carne e espírito, tão rígida e tão ríspida deste lado do mundo, é bom lembrar que o intelectualismo grego e os excessos romanos já haviam imposto – ou mesmo cavado – esse abismo entre corpo e alma. Um dos erros quiçá irreparáveis de nossa tradição.
Cabe ressaltar, porém, que o tantra e o Kama Sutra, cujos segredos supostamente se encontram agora ao alcance da mão – bem ali, na sex shop da esquina –, caso sejam praticados sem a devida devoção, são mera e (quase) inútil ginástica, só malabarismo erótico ou exibicionismo contorcionista. Sem usar a faca-de-matar-o-ego dos budistas, sexo puro vira apenas "ambiente de puro sexo". E o que poderia ser transcendência e disciplina dos sentidos por vezes flerta insidiosamente com a pornografia.
Por falar em pornografia, a cinco dias do início da propaganda eleitoral na TV e tendo sido dada a largada para a corrida presidencial, "sexo dos anjos" até que poderia se revelar bom tema para uma crônica. Afinal, antes de adquirir sentido figurado, a expressão teria surgido com base em fatos reais: dizem que quando os turcos otomanos já estavam às portas de Constantinopla, prontos para tomar a capital do Bizâncio e acabar de vez com aquele posto avançado da ortodoxia cristã, os teólogos locais, alheios ao perigo iminente, se engalfinhavam numa interminável discussão, não só inútil como bem menos picante do que a imagem de anjos transando.
Como quer que seja, não estou vendo anjos por perto – menos ainda os do tipo virginal. Vade retro. Cruz-credo. Hare Krishna.