Quando Trump assumiu a presidência, vi algo inusitado acontecer nos Estados Unidos: muitas pessoas torciam para que ele não cumprisse o que prometeu. Lógico: vivo em Massachusetts, um dos Estados mais progressistas do país, se não o mais progressista. Assim, era normal que as ideias de Trump fossem repelidas por meus vizinhos.
Mas Trump fez o que não se espera que os políticos façam: fez o que disse que ia fazer. Ou, pelo menos, tentou. Vem tentando. Teimosamente.
Agora, Bolsonaro assumiu como presidente do Brasil, e não é por acaso que ele se identifica com Trump. Os dois têm mesmo muito em comum – são, ambos, conservadores, afrontam o politicamente correto e muitas vezes se tornam até grosseiros com quem não concorda com eles.
Nesta terça (1º), em seu discurso na Praça dos Três Poderes, Bolsonaro chegou a repetir a frase mais famosa do presidente americano. Trump, em sua posse, disse: “América first”. Ou: América em primeiro lugar. Bolsonaro adaptou o bordão:
– Os interesses dos brasileiros em primeiro lugar.
Outra coincidência: os setores progressistas brasileiros também nutrem a esperança de que Bolsonaro não cumpra o que prometeu.
Como no caso de Trump, será uma esperança vã. Bolsonaro tem emitido todos os sinais possíveis de que realizará no governo as suas promessas de campanha. O mais vigoroso desses sinais foi dado ontem, em seu breve discurso feito da tribuna do Congresso. Bolsonaro ressaltou cinco pontos:
- A escola sem partido.
- A liberação da posse de armas.
- A valorização da ação policial.
- A desburocratização.
- O programa liberal de Paulo Guedes para a economia.
Está claro que é esse o centro do governo que se iniciou. O que, aliás, não é nenhuma surpresa. A surpresa é a mudança de estilo. Até então, os brasileiros estavam acostumados às concessões dos eleitos ao que chamavam de “realidade”. Na oposição, eles eram agressivos; no governo, tinham de se render à ponderação.
Fernando Henrique, quando assumiu, declarou:
– Esqueçam tudo o que escrevi.
Lula transformou-se em “Lulinha paz e amor”. Em sua reforma da Previdência, quando alguns petistas se puseram contra o projeto, Lula rompeu com eles, eles saíram do partido e fundaram o PSOL.
Tomara que Bolsonaro se contenha mais do que seu modelo Trump. Tomara que ele seja menos folclórico e mais sensível do que o americano.
Trump não tem sido assim. Bolsonaro parece que não será. Todos os embates ideológicos que Bolsonaro jurou que ia travar serão travados.
Mas, para o seu governo funcionar, Bolsonaro terá de ceder a pelo menos uma das “realidades” que submeteram outros presidentes: terá de negociar com o Congresso. Na terça, ele mostrou que sabe disso e, de certa forma, assegurou aos congressistas que governará com eles.
– Estou casando com vocês – disse aos parlamentares, enquanto assinava o termo de posse.
Esse casamento tem de dar certo, e a primeira DR entre os pares se dará logo mais, na discussão do mesmo ponto que fez Lula romper com parte dos petistas: a reforma da Previdência.
Há, portanto, um Bolsonaro “realista”, que precisará lidar com as estruturas tradicionais de poder do Brasil, e um Bolsonaro “romântico”, aquele que repete as falas às vezes grotescas do deputado-candidato, como “a nossa bandeira jamais será vermelha”, que ele bradou diante da multidão.
Tomara que Bolsonaro se contenha mais do que seu modelo Trump. Tomara que ele seja menos folclórico e mais sensível do que o americano. Em sua posse, indiretamente, Bolsonaro mostrou que pode ser assim. Foi quando a primeira-dama Michelle tomou o microfone antes dele, na Praça dos Três Poderes, e discursou usando a linguagem de sinais. Michelle foi doce, emocionante e surpreendente. Que tenhamos outras belas surpresas nesta nova era que começa em 2019.