Uma vez, contei para duas turcas que conheci aqui, nos Estados Unidos, que o então presidente do Uruguai, Pepe Mujica, tinha um cachorro com três pernas. Elas apitaram de entusiasmo:
– Uóóóó... Um cachorro com três pernas!
Depois, uma delas ponderou que o presidente da Turquia, Erdogan, de quem elas não gostam, jamais teria um cachorro com três pernas.
Fiquei contente por ter fornecido aquela informação às duas turcas, porque gosto do Uruguai e até me considero meio uruguaio. Achei que aquilo valorizou o nosso país-irmão. Poderia ter-lhes contado, ainda, que a minha mãe tem um gato com três pernas, mas aí talvez diminuísse o mérito de Mujica e, por conseguinte, do Uruguai, e não queria isso, de maneira alguma.
A atuação de Lula renderia um manual do político populista. Pensava que Lula seria insuperável. Mas veio Bolsonaro.
Afinal, se minha mãe tem um gato com três pernas, ela poderia, tecnicamente, ser uma presidente do Uruguai admirada por turcos, sobretudo pelos que não gostam daquele presidente deles, um homem, ao que tudo indica, insensível à deficiência física animal.
Agora, confesso: não sei se Mujica foi de fato um bom presidente do Uruguai. Há uruguaios que o elogiam e há os que o criticam de forma acerba. O que sei é que ele não tem preconceito contra cachorros pernetas. E que nós, pessoas comuns, nos deixamos enfeitiçar por essas trivialidades da vida dos nobres. Isso faz com que simpatizemos com eles, porque parece que eles são gente como a gente.
Eles, esses fidalgos da política, sabem disso e disso se aproveitam. Descem à planície para se tornarem mais simpáticos a nós, que somos a choldra vil. No Brasil, Juscelino jurava que sua música preferida era Peixe Vivo. Como pode alguém ter Peixe Vivo como sua música favorita? Impossível. Seria como ter Parabéns a Você como música favorita. Mas aquele suposto gosto pueril suavizava o personagem. As pessoas adoravam pensar que ele gostava daquela musiqueta e cantavam Peixe Vivo para ele nas cerimônias públicas.
Depois, Jânio apelou: expunha impudicamente as caspas que lhe caíam nos ombros e guardava sanduíches mordidos nos bolsos do paletó.
Nem o duro general Médici resistiu: torcedor devotado do Grêmio, ia aos estádios, dava palpites sobre futebol e apareceu equilibrando uma bola na cabeça durante a Copa de 70.
Finalmente, em 1989, voltamos a votar para presidente. E quem elegemos? Não um homem, mas um personagem: Collor andava nos lagos de Brasília de jet ski, vestia-se e falava como um dândi e, aos domingos, a sensação era a camiseta que usaria – cada uma tinha, impressa no peito, uma mensagem que o presidente queria passar à nação. A frase repercutia no Fantástico e durante toda a segunda-feira. Era o Twitter da época.
Mas é claro que ninguém valeu-se mais desse instrumento do que Lula. Sua atuação renderia um manual do político populista. Em seus discursos, ele engolia os plurais e usava imagens óbvias de futebol. Em suas fotos, ele aparecia abraçando velhinhas enrugadas ou sendo ovacionado pelo povo agradecido. Lula presidente dizia que não gostava de ler. Lula presidiário diz que lê um livro por dia. Lula era visto de chinelos, dentro de um calção branco do Inter, carregando um isopor cheio de cerveja para o churrasco com futebol dos domingos.
Pensava que Lula seria insuperável. Mas veio Bolsonaro. Ele nem assumiu ainda, mas já usou uma prancha de bodyboard como mesa para os microfones de uma entrevista coletiva, faz vídeos para a internet com uma lata de leite condensado ao lado e, neste Natal, foi fotografado lavando roupas e estendendo-as no varal.
Tenho que contar isso para as minhas amigas turcas. Elas ficarão encantadas. Pensarão, com toda a razão, que na América Latina os presidentes não apenas têm cachorros com três pernas como ainda lavam roupa. Nisso eles realmente são bons. Talvez conte um ponto a favor do Brasil. E fique tranquilo: não lhes contarei que a minha mãe sabe lavar roupa também.