Vejo alvíssaras nas primeiras declarações de Bolsonaro como presidente eleito. Bolsonaro não é bom de discurso. Ele é gritão e tem a língua presa. E é glutão, come parte das palavras, como se estivesse apressado para concluir a frase. Isso na forma. No conteúdo, às vezes, é pior. Parece não haver filtro entre o que Bolsonaro sente e o que pensa, ele esbraveja no plenário da Câmara coisas que o popular esbraveja no bar.
Se Bolsonaro promover uma reforma tributária que dê real autonomia a Estados e municípios, ele pode escapulir da pressão fisiológica do Congresso.
Mas agora algumas coisas parecem ter mudado, o que é muito saudável. Afinal, um presidente da República, que ele será, não pode se comportar como um deputado do baixo clero, que ele foi. Sem contar que o homem levou uma facada na barriga. Alguém que leva uma facada na barriga acaba se tornando mais cauteloso mesmo, seja na ação, seja no verbo.
O verbo de Bolsonaro, depois da vitória, foi moderado. Repetiu muito os caríssimos termos "liberdade" e "democracia", e não usou da agressividade que o caracterizou nesses 30 anos de atuação política. Nada daquela exuberância arrogante. Ao contrário, tratava-se de uma alegria contida, quase reflexiva.
Mas não foi esse comportamento o que mais me animou em seu pronunciamento. O que mais me animou foi a ênfase que ele deu em um slogan repetido algumas vezes durante a campanha: "Mais Brasil e menos Brasília".
Essa frase pode ser a chave do bom sucesso do governo de Bolsonaro. Porque o Brasil é um país difícil de administrar. A eleição para presidente da República é o centro da nossa democracia, mas, depois de eleito, o presidente precisa aprender a governar com o Congresso. Sem apoio parlamentar, o presidente não consegue aprovar projeto algum, e seu governo fica emperrado.
Sabedor disso, o Congresso empareda o Executivo. O presidente tem de se submeter ao chamado governo de coalizão, que nada mais é do que a velha política de trocar cargos por votos, o surrado toma lá dá cá, que submergiu o país na corrupção oceânica descoberta pela Lava-Jato. Bolsonaro diz que não vai se entregar a essa política. Mas como ele domaria o Congresso?
Muitos temem que tal impasse desperte arroubos golpistas em Bolsonaro. Já que o Congresso não aprova nada, ele vai lá com os militares, fecha tudo e passa a aprovar o que bem entender. Ou seja: torna-se ditador. Isso não vai acontecer. Não há clima nem condições práticas para que aconteça.
A alternativa pode ser, exatamente, "mais Brasil e menos Brasília". Se Bolsonaro promover uma reforma tributária que dê real autonomia a Estados e municípios, ele pode escapulir da pressão fisiológica do Congresso, porque transferiria poder da União para os Estados e os municípios. Quer dizer: o congressista não iria ao Planalto e aos ministérios implorar por verbas, porque as verbas já estariam na sua região-base.
Seria uma bênção. Esse é o sistema administrativo dos Estados Unidos, um país tão grande e variado quanto o Brasil. E funciona. Cada Estado é como se fosse um pequeno país, cada cidade tem suas leis, a comunidade decide como quer viver. E, quando existem distorções, quando um município necessita de ajuda, a União acorre.
Uma reforma federativa profunda. Uma reforma tributária radical. Por essas duas portas, o governo encontraria saídas. Mas, para isso, Bolsonaro teria de trasladar parte do poder que tem o presidente. Será que algum político, em algum lugar, em algum tempo, é capaz da grandeza de renunciar a qualquer fatia do seu poder? Não é da natureza dos políticos. Mas… Vá que Bolsonaro esteja sendo sincero. Um pouco de ilusão também faz bem ao coração.