Depois de uma vitória avassaladora no primeiro turno, com votação além do esperado, Jair Bolsonaro (PSL) confirmou o amplo favoritismo e elegeu-se presidente da República neste domingo (28), carregado nos ombros por mais de 57 milhões de eleitores e 10 pontos percentuais à frente de seu oponente, Fernando Haddad (PT). Como também já havia acontecido em 7 de outubro, o resultado obtido pelo capitão reformado foi acompanhado pelo triunfo, nas eleições estaduais, de uma série de candidatos que procuraram ligar seus nomes ao dele. Será um presidente amparado não só por maciço respaldo popular, mas também pelo confortável suporte de uma quantidade apreciável de deputados, senadores e governadores.
Ainda que a candidatura tenha perdido algum fôlego, em comparação com as primeiras pesquisas depois do primeiro turno, e que a sensação de vitória por lavada tenha sido mais difusa, Bolsonaro alcançou sufrágio contundente, que o credencia para começar o governo como presidente fortalecido, à diferença do que aconteceu quatro anos atrás, quando Dilma Rousseff (PT) superou Aécio Neves (PSDB) por apenas três pontos percentuais.
O recado dado pelos eleitores de Bolsonaro, que na noite deste domingo ganharam as ruas de todo o país para comemorar, foi claro. Saiu das urnas um Brasil religioso, conservador, sedento por autoridade com pulso firme e mais à direita do que nunca. O país do futuro escolheu o candidato que ofereceu uma volta ao passado, um Brasil "igual a 40, 50 anos atrás".
A escolha foi por um presidente diferente de todos que o país já elegeu. Nunca antes o eleitor brasileiro havia conduzido ao Palácio do Planalto alguém tão à direita no espectro político e tão vinculado a posições com potencial explosivo, como o apoio à ditadura militar, a apologia à tortura, o repúdio a laicidade do Estado e a relativização dos direitos humanos. Nas primeiras manifestações depois da vitória, no entanto, Bolsonaro abdicou do tom incendiário e faz acenos à moderação:
— Faço de vocês minhas testemunhas de que este governo será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade. Isso é uma promessa, não de um partido, não é a palavra vã de um homem, é um juramento a Deus — disse em transmissão de vídeo pela internet.
No campo adversário, a perspectiva de virada acalentada pelos apoiadores de Haddad, com base no crescimento do petista nas pesquisas mais recentes, revelou-se amarga ilusão. Mesmo assim, o petista obteve um resultado melhor do que se podia imaginar no começo da campanha para o segundo turno e depois do fracasso em formar coalização de partidos que enxergavam em Bolsonaro risco à democracia.
Sem cheque em branco
Em comparação com a primeira votação, Haddad fez neste domingo 15 milhões de votos a mais, enquanto seu adversário do PSL arregimentou um contingente extra de oito milhões de eleitores. Com isso, o petista conseguiu conter um pouco a sensação de um tsunami bolsonarista. Isso também foi amenizado pela proporção expressiva de eleitores que estiveram em uma cabine eleitoral mas não apoiaram nenhum dos dois candidatos, resultado da alta rejeição inspirada por ambos: 9,6% votaram branco ou nulo, o que totaliza acima de 11 milhões de votantes, mais do que a vantagem obtida por Bolsonaro sobre Haddad. Ou seja, o capitão conquistou pouco menos da metade de todos os eleitores que estiveram diante da urna.
Na avaliação do cientista político Leonardo Barreto, sócio-proprietário da Factual Informações e Análise, Bolsonaro alcançou um teto elevado de eleitores, mas não confirmou o cenário de mais de 60% dos votos, que se configurava no momento de maior euforia da candidatura. A vitória mais modesta, com 55% das preferências, pode colocar alguma pressão.
— Uma grande parte dos eleitores de Bolsonaro votou nele para não ter o PT no governo. Então se trata de um capital político que não está vinculado necessariamente ao nome de Bolsonaro, mas ao antipetismo. Bolsonaro não recebeu carta branca e precisará fazer entregas rápidas, ou não terá uma lua de mel prolongada com esse apoio popular — alerta Barreto.
O cientista político Paulo Peres, da UFRGS, também entende que, ainda que expressiva, a vitória pela margem de 10 pontos percentuais não representa um cheque em branco entregue pelo eleitor. Apesar da derrota do PT, açodado por casos de corrupção e por caciques às voltas com a Justiça, Peres entende que a conquista de 45% dos votos válidos posiciona o partido de Haddad como a principal força da oposição no governo Bolsonaro:
— As urnas apontaram o chefe da Presidência da República e apontaram, também, o partido e o líder da oposição. Os 45% de votos do PT significam que a vitória de Bolsonaro não foi acachapante e que Haddad é a liderança de um projeto que é do PT, mas que agrega a centro-esquerda. O PT perdeu, mas não saiu totalmente enfraquecido. O que se esvaziou foi o centro, com PSDB e MDB, um espaço que, acredito, Ciro Gomes (PDT) procurará ocupar.
No âmbito estadual, o Brasil também avançou ontem no rumo da bolsonarização. Em Minas Gerais, com Romeu Zema (Novo), no Rio de Janeiro, com Wilson Witzel (PSC), no Distrito Federal, com Ibaneis Rocha (MDB), e em Santa Catarina, com Comandante Moisés (PSL), a vitória coube a perfeitos desconhecidos que souberam colar sua imagem à do futuro presidente. Espécie de postes voluntários de Bolsonaro, todos se elegeram com margens folgadas, ficando na faixa de 60% a 70% dos votos válidos.
No maior colégio eleitoral do país, São Paulo, a disputa foi bem mais apertada, mas no fim triunfou João Doria (PSDB), o postulante que tratou de associar-se, ainda no primeiro turno, ao presidenciável do PSL, para desgosto do seu correligionário Geraldo Alckmin. A bordo do voto “Bolsodoria”, derrotou o atual governador Márcio França (PSB) com 51,7% da preferência.
No RS, apoio explícito não garantiu vantagem
Coube justamente ao Rio Grande do Sul o papel de Estado onde o candidato mais identificado com Bolsonaro não triunfou. O governador eleito, Eduardo Leite (PSDB), declarou um voto carregado de objeções a Bolsonaro e depois evitou tocar no assunto. Enquanto isso, José Ivo Sartori (MDB) agarrou-se ao candidato do PSL com todas as forças, conseguiu trazer nomes da cúpula do bolsonarismo para dentro da campanha, incorporou o discurso do capitão e baseou sua estratégia, a exemplo do que ocorria em São Paulo, na ideia do voto “Sartonaro”. Mesmo assim, não quebrou a tradição de que governador algum se reelege no Rio Grande. No sábado, o Ibope mostrou que Sartori até estava diminuindo a diferença, mas não foi o bastante. No final das contas, o resultado foi mais apertado do que se esperava (53,62% a 46,38%), mas a estratégia do gringo degringolou.
O apoio para lá de entusiasmado a Bolsonaro, no fim das contas, pode ter tido um efeito chicote contra Sartori, por fazer a esquerda haddadista, irritada, embarcar na candidatura do ex-prefeito de Pelotas. Além disso, o atual governador pode ter fracassado em aproveitar a onda nacional por não ser uma cara nova, como no caso dos candidatos que conseguiram se eleger colando a imagem à de Bolsonaro.
— Leite representava mais o novo, que era uma demanda desta eleição, enquanto Sartori estava bastante desgastado por políticas impopulares. No final, a polarização nacional foi anulada aqui, na medida em que os dois apoiavam Bolsonaro, ainda que Sartori tenha feito campanha mais colada nessa ideia — avalia Paulo Peres.
No âmbito gaúcho, apesar do movimento de apoio a Leite na esquerda, muitos eleitores desse campo político parecem ter optado por anular ou votar em branco — 14%, a maior proporção em duas décadas.