Votei pela primeira vez na vida em 1982, nas eleições para governador do Estado. Tinha 20 anos de idade. Não era mais um gurizinho, mas senti uma emoção infantojuvenil ao preencher a cédula de votação. Cheguei a ficar um pouco nervoso, minha mão tremeu – estava participando de algo importante.
A democracia brasileira continuará impávida, as instituições continuarão intocadas e nós continuaremos tocando as nossas vidas.
Foi uma eleição especial. Desde os anos 1960, os brasileiros não escolhiam governadores pelo voto direto. Então, tudo parecia categórico, depois de cada sentença era fincado um ponto de exclamação. A vitória daquele era a desgraça, a vitória do outro era a salvação. Concorriam Jair Soares, Pedro Simon, Alceu Collares e Olívio Dutra.
Eu trabalhava na Livraria Sulina, junto com meu amigo e colega de faculdade Sérgio Lüdtke. Debatemos aquela eleição durante meses, na Famecos e na Sulina, nos bares da José do Patrocínio e da Getúlio Vargas, nos acampamentos em Cachoeira do Sul e no Ipiranga-PUC lotado. Tínhamos uma convicção: Jair Soares não podia ganhar. Ele era do PDS, então chamado de "o maior partido do Ocidente". Na verdade, o sucedâneo da Arena, o partido da ditadura. Para nós, a vitória de Jair Soares seria o armagedon: era o Rio Grande avalizando o regime militar, rechaçando a nova democracia que se avizinhava, caminhando para trás.
Uma noite, saímos do Maza, o bar que ficava nos fundos da PUC, na Bento Gonçalves, e decidimos que iríamos fazer um arroz com linguiça na casa do Sérgio Lüdtke. Fomos em alegre bando, rindo e contando vantagens e planejando derrubar o governo. Não lembro onde conseguimos comprar uma perna de linguiça do tamanho de uma jiboia, o Sérgio a erguia para cima da cabeça e ela se esticava até o chão. O Sérgio é cozinheiro refinado, mesmo o arroz com linguiça trivial, o velho "arroz de china pobre", ele consegue transformar em banquete. E foi aquilo que foi a nossa ceia: um banquete, com comida deliciosa, cerveja gelada e boa conversa. Naquela madrugada, decidimos: o voto mais correto seria em Pedro Simon, o candidato que tinha chances de bater o representante da ditadura.
Votamos, pois, em Simon. E ele perdeu. Por uma coisinha de nada, 21 mil votos, mas perdeu. Era o fim, pensamos. O fim! Mas não foi o fim. Jair Soares governou e, depois dele, aí sim, Simon, e mais tarde Collares e finalmente Olívio. Os quatro candidatos daquela eleição de 1982 acabaram governando o Rio Grande do Sul. Todos eles cometeram seus erros, todos eles tiveram defeitos e todos eles tiveram méritos também. O Rio Grande seguiu em frente, nós seguimos em frente, nada foi tão trágico, nada foi tão dramático, nada foi tão glorioso. Você dirá que uma eleição para governo do Estado não é tão importante como uma para presidente da República. E não é mesmo. Mas ninguém pensaria assim em 1982. Nós, em 1982, éramos os alarmistas do Twitter de 2018.
Neste fim de semana, o Brasil conhecerá o seu novo presidente. As pesquisas apontam que será Bolsonaro, mas também Haddad pode virar. Seja um, seja outro, os eleitores do derrotado entrarão em desespero e darão ouvidos aos alarmistas. Para uns, o Brasil se transformará nas Filipinas; para outros, na Venezuela.
Não será uma coisa nem outra. O Brasil é mais complexo do que as Filipinas, do que a Venezuela, do que a Argentina, do que Cuba. O Brasil continuará sendo o Brasil, a democracia brasileira continuará impávida, as instituições continuarão intocadas e nós continuaremos tocando as nossas vidas. Se você quer votar em Bolsonaro, vote; se você quer votar em Haddad, vote; se você quer anular o voto, anule. Siga a sua consciência. E o Brasil seguirá em frente.