Esta é a terceira parte do texto de David Coimbra.
Leia a primeira parte aqui e a segunda parte aqui.
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Certa noite, na mesa do bar, entre chopes gelados e cremosos e dourados, meu amigo Antônio Vicente Martins contou que o pai dele sempre repete determinada frase. O Vicente, se você não sabe, é advogado, foi dirigente do Grêmio e alguns maldosos dizem que ele parece o irmão mais novo do Zeca Pagodinho. Na tal noite, estávamos em meio a libações e risadas, tudo muito leve como tem de ser, mas aquela frase caiu na mesa como uma bigorna, espalhando batata frita para tudo que é lado. Foi a seguinte:
Os brasileiros cansaram do jeitinho, cansaram da manemolência, cansaram de quem os engana sorrindo.
"O que não está certo já é errado".
Colhi a frase da mesa, espanei-a, botei no bolso e guardei para mim. Porque gostei. Trata-se de um código moral rigoroso, difícil de ser seguido, mas bastante preciso, porque elimina a dúvida: se você cogita se algo é correto ou não, a resposta é não.
Não sei se o pai do Vicente leu Kant, mas eles têm filosofias semelhantes. Kant era um filósofo que se preocupava bastante com essas questões éticas. Para ele, o homem elevado em sua humanidade devia fazer o certo não por interesse, nem por medo da punição, mas tão somente porque o certo é… o certo.
Mas como reconhecer o certo?
Kant sugeria algumas fórmulas. Uma delas é usar o seguinte raciocínio: "Eu gostaria que todo mundo fizesse como estou fazendo?".
Você termina de comer o picolé Espacial e joga a embalagem no chão. O que vai acontecer se toda a população fizer o mesmo? A cidade vai ficar emporcalhada, não é? E você não gostaria de viver numa cidade emporcalhada. Logo, não jogue a embalagem do picolé Espacial no chão.
A outra fórmula, que se aproxima da máxima do pai do Vicente, é a seguinte: "Se você não pode contar como fez, não faça".
Não se trata de privacidade, é evidente. Trata-se de ter vergonha ou medo de contar como algo foi feito.
Bem. Agora me diga: será que algum político brasileiro pode contar como fez? Um político de sucesso, qualquer um, de qualquer partido, pode contar como venceu as eleições, por exemplo? Duvido. Há sujeira em todas as eleições, há sujeira em todo o processo político brasileiro, e é contra isso que o eleitor tem se rebelado. Esta é a eleição antissistema. Uma eleição que vai gerar parâmetros: a velha malandragem está perdendo espaço no Brasil.
Os brasileiros cansaram do jeitinho, cansaram da manemolência, cansaram de quem os engana sorrindo. O voto em Bolsonaro não é o da ultradireita ou o da defesa da ditadura. Bolsonaro até pode ser acusado de ser isso, mas o voto nele, definitivamente, não é. O voto em Bolsonaro é o voto contra o establishment político. O eleitor olhou para o cardápio de candidatos e identificou neles todos o mesmo sabor, o mesmo discurso, a mesma lógica, a mesma forma de fazer as coisas. Só um parecia diferente. Foi esse o escolhido.
Não faço a menor ideia de como Bolsonaro vai se comportar como presidente. Apenas torço para que ele seja pelo menos um pouco do que o eleitor espera dele. Que ele, ao agir, saiba que o que não está certo já está errado.