Aí está o nosso pequeno burguês, rodando pelas ruas de Porto Alegre em seu carrinho um ponto zero. Ele pretende levar a filha à escola e, depois, seguir para o trabalho. Mas… no meio do caminho havia uma manifestação, havia uma manifestação no meio do caminho. Ele fica detido por meia hora, 45 minutos, uma hora inteira. A filha começa a chorar, reclama que tem prova, ele tenta ligar para o chefe para avisar que chegará atrasado, mas o celular não funciona, a manifestação o capturou exatamente dentro do maldito túnel, ele está perdido…
Foi um dia horrível. Quem seriam aquelas pessoas que interromperam o trânsito? Funcionários públicos reclamando salário melhor, decerto. Nosso amigo até tenta sentir simpatia por eles, ele também ganha mal, mas se questiona: como as autoridades permitem que uma rua seja fechada? Isso acontece todos os dias em Porto Alegre…
A classe média está farta. E a classe média, quando fica farta, muda a sociedade.
Nosso amigo está irritado. Ele se incomoda com os prédios públicos invadidos, com as terras tomadas à força de foice, com as pichações que emporcalham as paredes dos edifícios, com o aluno que bate na professora, com o ladrão que é solto da cadeia pela quadragésima vez, com o homem que ficou só dois meses preso por estupro, saiu e matou a filha adolescente de quem abusava. Como isso tudo é permitido? Isso é a democracia? Que governo é esse? Quem são essas autoridades tão permissivas, que não tomam atitudes firmes contra quem burla a lei?
É o que se pergunta o homem da classe média.
O nosso pequeno burguês, então, lembra-se das bandeiras vermelhas da CUT e dos bonés do MST presentes em cada ato desses e já sabe a resposta: é o PT. O PT está em meio a tudo o que acontece no Brasil há muitos anos, conclui. Mas, quando ele pensa em reclamar, seu amigo petista lhe aponta o dedo: ele não tem solidariedade com os pobres, ele não se importa com o povo sofrido, ele faz parte da elite pérfida.
Nosso pequeno burguês não quer ser confundido com um rico desalmado. Assim, ele não fala mais nada para não se expor. Aí ele fica sabendo da corrupção dos governos Lula e Dilma, dos bilhões e bilhões desviados, vai questionar seu amigo petista e o que ouve é, puramente, negação. Não há uma autocrítica, um reconhecimento, um ato de contrição, nada. Para seu amigo petista, os erros estão, todos, fora do PT. Os acertos, dentro.
É neste momento que o pequeno burguês se torna anti-PT.
E a eleição vai se aproximando, e ele procura uma alternativa. Ele olha para os candidatos. Ciro? A mesma arrogância do seu amigo petista. O mesmo insuportável ar de superioridade moral. Alckmin? Está provado que o PSDB também entrou no esquema. Meirelles? Marina? Até ontem estavam no governo.
E Bolsonaro? Bem, esse é francamente anti-PT, esse nunca teve nada a ver com todos os outros, nunca esteve no governo. Bolsonaro é um tosco, mas representa a irritação do pequeno burguês. Pouco importa se ele defende a ditadura, se ofende Maria do Rosário, se leva cuspida de Jean Wyllys. Tanto melhor, o pequeno burguês quer, de fato, romper com tudo, quer ordem e autoridade mesmo que seja às custas da liberdade.
Não estou dizendo que penso assim, quem pensa assim é o nosso amigo pequeno burguês, o homem de classe média. Por pensar assim, ele identificou no #EleNão outro slogan: #PTsim. Porque a inferência é lógica: se o único adversário real de Bolsonaro é o PT, dizer que se pode votar em qualquer um, menos em Bolsonaro, é o mesmo que dizer para votar no PT.
Repito: estou interpretando o sentimento do homem de classe média. Que é o sentimento que perpassa toda esta eleição. Em resumo, uma disputa entre "tudo o que está aí" e algo difuso, impreciso, algo que o eleitor não sabe bem o que é, com exceção de uma certeza: é algo "contra tudo o que está aí". A classe média não aguenta mais. A classe média está farta. E a classe média, quando fica farta, muda a sociedade.