Você assistiu ao filme Central, dos meus amigos Renatinho Dornelles e Tatiana Sager?
Tem de assistir. É importante que todos os brasileiros assistam. Todos, sem exagero. Porque, ao ver o filme, você descobrirá uma realidade oculta que afeta sua própria vida.
O grande mérito de Central é detalhar o sistema interno de funcionamento dos presídios brasileiros. Menos as péssimas situações em que vivem os presos, o que é razoavelmente conhecido pela população, e mais como eles se relacionam – o tipo de sociedade que construíram, suas regras e, sobretudo, as consequências disso para o lado de fora da cadeia.
Fazendo um resumo grosseiro, o filme conta que os presos estabeleceram hierarquias nos presídios. O noviço faz sua entrada e logo tem de se submeter a uma facção e a seu líder, ou estará desprotegido, à mercê de agressões e abusos. Ele se torna empregado e devedor da facção, que tem braços no mundo exterior. Se não fizer tudo o que lhe é ordenado, não será o único a sofrer: sua família, que está em liberdade, também poderá ser atacada.
Assim, digamos que um jovem seja preso por porte de uma pequena quantidade de maconha, delito de vasta parcela dos 700 mil apenados do Brasil. Ele nunca roubou, nunca assaltou, nunca matou, nunca fez mal a ninguém. Mas, ao ingressar no presídio, terá de fazer tudo isso. Mesmo depois de ser solto, terá de pagar sua dívida com a facção que adotou, ou ele e seus familiares enfrentarão retaliações cruéis.
Ora, a sociedade organizada, quando pune um cidadão que infringiu a lei, tem três objetivos básicos: pretende fazer com que ele pare de cometer crimes, dar o exemplo para que outros não cometam e, se possível, regenerar o apenado. O sistema prisional brasileiro produz efeitos diametralmente contrários: o preso passa a cometer mais crimes e fortalece organizações criminosas.
Os presídios brasileiros, em geral, ao invés de funcionarem a favor da sociedade, funcionam contra ela.
Isso acontece porque o Estado não consegue tutelar os presos como deveria. Assim, quem assume essa tarefa são as facções criminosas. Quando um brasileiro é mandado para uma dessas cadeias, ele, na verdade, está sendo recrutado para o crime organizado.
Isso significa que os criminosos deveriam ficar soltos? Que a polícia não deveria prendê-los?
Não.
Isso significa que os presídios deveriam ter espaço e condições dignas para um ser humano pagar sua dívida com a sociedade enfrentando, tão somente, as exigências da pena em si, o que já é bastante duro.
Faço toda essa digressão para analisar uma das ideias que Bolsonaro expressou em sua campanha presidencial. Ele disse o seguinte, na semana passada, em visita ao Rio Grande do Sul:
"Se o Brasil não tiver recursos para fazer novas penitenciárias, no que depender de mim, vamos encher aquele negócio lá. É igual coração de mãe: cabe mais um, vai, sem problema, ok? Não sei o que esses caras pensam, uma parte deles, quando sai, volta a cometer crimes. Parece que gostaram da convivência".
Quero examinar apenas a ideia de Bolsonaro, não o homem. Falar de Bolsonaro, hoje, é como falar de Lula: desperta uma polêmica inútil e não move ninguém de lugar algum.
se Bolsonaro fizer o que diz, os problemas de segurança pública se agravarão no Brasil. Na prática, o governo se tornará fornecedor de mão de obra para o crime organizado.
Pois bem, vamos à ideia: se Bolsonaro fizer o que diz, os problemas de segurança pública se agravarão no Brasil. Na prática, o governo se tornará fornecedor de mão de obra para o crime organizado. As facções se fortalecerão ainda mais, os assaltos, sequestros e assassinatos se multiplicarão, e o cidadão que vive dentro da lei se tornará refém dos bandidos.
Os presídios brasileiros, hoje, são criadouros de criminosos. É preciso que se tornem criadouros de cidadãos. Propostas como a de Bolsonaro são o sonho das facções criminosas. E o pesadelo da sociedade. O nosso pesadelo.