Tempos atrás, Pelé repetiu John Lennon: disse que era mais famoso do que Jesus Cristo. Argumentou que na Ásia, por exemplo, muita gente não sabia quem foi Jesus, mas todos sabiam quem foi Pelé.
Talvez isso tenha sido verdade, no passado. Não agora. Agora, Pelé nem é o brasileiro mais famoso. Nem ele, nem o outro rei, Roberto Carlos. Nem Neymar. Nem mesmo Silvio Santos.
Há outros dois fatores que beneficiam Lula politicamente, além da celebridade que ele conquistou durante todas essas décadas.
O homem mais famoso, entre os brasileiros, é Lula.
Lula subiu no palco em 1979 e nunca mais desceu. Teve um momento de relativa insignificância ao longo do governo Itamar Franco, e só. Fora isso, esteve sob as luzes da mídia que ele tanto aprecia criticar.
É por essa razão que Lula está na frente nas pesquisas de intenção de voto, ainda que seja certo que ele não vai ser candidato.
A grande massa do povo brasileiro é desinformada, quando não iletrada, mas mesmo os analfabetos sabem quem é Lula.
Ainda assim, a popularidade não lhe garantiria a eleição. Lula, tenho repetido, perdeu a classe média que o elegeu em 2002, depois da tão citada "Carta aos Brasileiros", quando havia prometido que seria bonzinho. Hoje, a classe média repudia Lula tanto quanto o temia antes da Carta.
Há outros dois fatores que beneficiam Lula politicamente, além da celebridade que ele conquistou durante todas essas décadas. O primeiro é a pobreza do quadro eleitoral brasileiro. Os principais candidatos a presidente são políticos requentados, nenhum chega exatamente a empolgar, salvo Bolsonaro, que empolga pelas razões erradas.
O segundo fator é o impeachment de Dilma.
A reeleição de Dilma foi péssima para o PT; o impeachment foi ótimo. Se Dilma ainda fosse presidente, seu governo estaria sangrando com a crise inevitável. Ao ser afastada, ela ganhou de presente o discurso de injustiçada, e seu substituto, que, aliás, havia sido colocado lá por ela própria desde 2010, recebeu a pecha de vilão. Temer & cia eram aliados históricos do PT, sempre estiveram juntos do PT, mas, ao assumirem a cabeça do governo, saíram da tranquilidade das sombras para a exposição das luzes. Tornaram-se vitrina. E foram apedrejados.
Temer talvez até pudesse fazer uma gestão razoável, se imitasse Itamar e montasse um governo de expoentes sustentado por uma forte coligação. O problema é que, ao contrário de Itamar, ele foi ativo no processo de impeachment. Desta maneira, Temer tinha dívidas a quitar. Por isso, foi obrigado a se cercar de figuras envolvidas com escândalos ou investigadas pela Lava-Jato.
Foi aí que Lula e o PT ganharam sobrevida: eles transformaram seus velhos aliados em inimigos. O governo Temer, que saiu de uma costela do governo petista, foi elevado à condição de nêmesis do PT.
Então, houve uma terceira ocorrência dramática que beneficiou Lula: ele foi preso. Se estivesse livre, estaria acossado por denúncias, seria visto sentado no banco dos réus, teria de dar explicações a todo momento. Quer dizer: se estivesse livre, Lula estaria respondendo por seus pecados; preso, está pagando por eles. Ou seja: Lula se encontra em processo de remissão.
Na verdade, ninguém, nem mesmo os petistas, acredita na inocência de Lula. Mas, como o que não falta no Brasil são culpados, e muitos deles livres, a prisão de Lula o transforma em mártir para quem o admira e tira-o do foco de quem o detesta.
Repare você, perplexo leitor, como a vida sabe ser irônica: o que parecia maravilhoso foi horrível e o que parecia horrível foi maravilhoso. Uma lição a aprender. Só uma. Outras virão.