As pessoas não têm o hábito de se reunir e combinar:
– Ei, vamos fazer um país?
Não. Em geral, os países se formam aos poucos, quase sempre por conveniências geográficas, sobretudo conveniências aquáticas. Se tem uma coisa de que nós, seres humanos, precisamos é de água. Dois terços do nosso amado corpo são formados por água, lembre-se. Então, quando vão se estabelecer, as pessoas procuram ficar perto dos rios. E assim as nações vão se constituindo.
Olhe o célebre caso do Egito. Heródoto disse que o Egito é uma dádiva do Nilo. De fato, o Egito só existe por causa das enchentes anuais do Nilo. O grande rio vinha do Sul para o Norte e inundava as duas margens, 15 quilômetros para um lado, 15 para o outro. Os egípcios, durante esse período, corriam para montes próximos e esperavam. Depois que o Nilo se retirava, deixava uma terra rica e fértil, onde os homens plantavam alegremente.
O Egito, assim, tornou-se um país estreito e comprido, todo ele erguido ao longo do Nilo. As outras civilizações não foram muito diferentes, tanto que se dizia que o Paraíso ficava entre quatro rios: o próprio Nilo, os irmãos Tigre e Eufrates e o Ganges. Foi nessa região que moraram Adão e Eva, que rastejou a serpente do Mal e que brotou a Árvore do Conhecimento.
Um país que fugiu a essa regra foram os Estados Unidos. Aqui, onde ora moro, eles praticamente fizeram o que escrevi aí em cima. Reuniram-se para fundar uma nação. É que os Estados Unidos são, mesmo, Estados que se uniram. Aquelas primeiras colônias inglesas, depois da independência, designaram líderes que debateram e escreveram uma Constituição, que vale até hoje. A partir daí é que o país foi sendo montado. O Texas, por exemplo, levou 10 anos para entrar na federação. É por isso que digo que a nação americana foi fundada antes do país.
E é aí que chego ao Brasil.
Desde a independência, o Brasil pouco se modificou territorialmente. Saiu a Província Cisplatina, entrou o Acre, nada muito traumático. Sobre esses 8,5 milhões de quilômetros quadrados de terra em que, se plantando, tudo dá, vive uma população que fala a mesma língua e que não enfrenta muitas vicissitudes naturais, como terremotos, furacões e eliminações da Copa do Mundo. Guerras de fronteira? Houve lá aquela quizília com o Paraguai, mas, depois disso, tudo foi mais ou menos tranquilo.
Era para ser fácil fazer um país, mas a questão é que nós, brasileiros, não conseguimos nos acertar quanto às regras que vão gerir nossa convivência. Vejo aquela campanha da Globo, Que Brasil Você Quer. As pessoas dizem que querem um país mais justo etc. Mas “como” fazer isso? Não há consenso, nunca houve.
Por essa razão, criamos regras de acordo com as circunstâncias. A Constituição de 1988, por exemplo, foi escrita no calor da redemocratização. “Temos ódio e nojo à ditadura”, bradou Ulysses Guimarães ao aprová-la e, dizendo isso, disse tudo. Foi uma Constituição feita com paixão, não com razão. Só podia dar errado. Saiu um monstrengo político, administrativo e social. Um monstrengo bem-intencionado, verdade, mas, ainda assim, um monstrengo.
Nossas tragédias de 2018 começaram a ser urdidas em 1988. Não sabíamos exatamente que país nós queríamos; sabíamos que país nós não queríamos. E, em cima desse sentimento de negação, em vez de ser de afirmação, construímos uma proposta de nação leniente, centralizadora e irreal.
A Constituição de 1988 moldou um país torto. Está na hora de mudar.