Na noite de quarta-feira, 14 de março, uma reunião na sede do Sindicato Rural de Bagé, no centro da cidade, selou o primeiro protesto contra Luiz Inácio Lula da Silva no Rio Grande do Sul. Além de representantes do agronegócio, outras quatro entidades, incluindo empresários, participaram do encontro.
Da conversa, cada participante saiu com a missão de convocar, pelos grupos de WhatsApp, conhecidos para participar da manifestação anti-PT no município. Também decidiram compartilhar tarefas. Produtores se responsabilizaram pelo deslocamento de tratores, que se concentraram ao longo do final de semana em um posto de combustíveis, e lojistas encaminharam a confecção de cartazes.
Surgiu ainda a ideia de ressuscitar, no ato contra Lula, o boneco inflável do ex-presidente vestido de presidiário, o conhecido Pixuleco, comprado em uma vaquinha por uma dezena de bajeenses durante os movimentos pró-impeachment de Dilma Rousseff. Há dois anos, desembolsaram cerca de R$ 3 mil pelo balão gigante.
Na manhã de segunda-feira, 19 de março, um barulhento protesto aguardava o petista em frente à Universidade Federal do Pampa (Unipampa), onde o ex-presidente cumpriria sua primeira agenda da caravana. Fora o movimento pacífico, considerado pelos próprios aliados de Lula como sinal de vitalidade democrática, uma minoria destoou. Parte lançou pedras contra os ônibus da comitiva e começou um tumulto. Era o prenúncio de uma semana conturbada no interior do Rio Grande do Sul.
— Não éramos pessoas ligadas a (Jair) Bolsonaro, éramos pessoas pedindo cadeia a um condenado e repudiando uma campanha eleitoral antecipada. Mas há quem se aproveite e extravase todas as frustrações com o país, não só com Lula. Aí, saem do tom — disse o presidente do Sindicato Rural de Bagé, Rodrigo Moglia.
Assim, deu-se o movimento de resistência que decidiu se rebelar contra a caravana lulista em solo gaúcho: protagonizado por sindicatos rurais e comerciantes locais, recrutado pelo WhatsApp e sem qualquer chamamento à violência, garantem os organizadores. O uso de relhos, pedras e ovos teria partido de iniciativas pessoais — agora, criticadas pelos próprios coordenadores informais dos atos.
— Aí começa um processo de se fazer o que se condena — disse um interlocutor do meio rural em uma referência às antigas invasões do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Teve quem aplaudisse, especialmente nas redes sociais. Porém, passado o efeito manada, uma parcela dos integrantes dos movimentos começou a reprovar as práticas belicosas assistidas nas cidades que Lula visitou na semana passada.
— Houve excesso, sim. Claro que houve. É uma situação que ficou fora do controle. Por exemplo, a ideia de jogar ovo na caravana... Não sei de onde saiu. Na reunião do sindicato, sequer foi falado — garante o presidente do Sindicato Rural de Passo Fundo, Jair Rodrigues.
Foi na cidade do Norte onde ocorreu o mais descomedido ato, o que levou Lula a recuar e desistir da visita. Manifestantes chegaram às margens da RS-324 carregando dezenas de caixas de ovos e lançaram contra coletivos que sequer eram da caravana. Dois homens também atearam fogo a pneus na estrada. Segundo Rodrigues, o propósito era somente retardar a chegada do ex-presidente, mas nunca de impedi-lo de entrar.
De Passo Fundo, viralizou um vídeo de um procurador do Estado criticando a comitiva lulista. No Facebook, a gravação de quatro minutos feita por Rodinei Candeia ultrapassou 163,5 mil visualizações, além de ter sido compartilhada em grupos de WhatsApp como um convite à manifestação na cidade.
"O melhor que você (Lula) poderia fazer é parar com essa palhaçada dessa caravana provocativa", condenou Candeia na gravação. Surpreso com a repercussão, contou que foi ao ato somente para "dar uma olhada", a convite de um amigo.
Para produtores gaúchos, o descontrole no Estado aumentou a partir da reação de Lula aos primeiros protestos contrários a sua passagem. Na noite de terça-feira, 20 de março, o petista discursou sugerindo que ruralistas seriam caloteiros.
— A fala do Lula acirrou muito os ânimos e deu muito mais motivo para que o evento tomasse a força que tomou — comentou Viriato Vargas, sobrinho-bisneto de Getúlio Vargas e presidente do Sindicato Rural de São Borja.
Às manifestações locais, somaram-se movimentos que vêm capitaneando o discurso contra o PT no país e apoiadores de Bolsonaro que estamparam o seu rosto em cartazes, camisetas e capinhas de celular. Representantes do Movimento Brasil Livre (MBL) participaram de ao menos dois atos, em Passo Fundo e São Leopoldo. Conhecido entusiasta da campanha do deputado federal à Presidência e fundador do movimento Armas S.A., o empresário Ruy Irigaray, por exemplo, somou-se aos atos em São Miguel das Missões, Cruz Alta e São Leopoldo. Ao avaliar os protestos, fez um alerta:
— Temos de ter cuidado porque sabemos que os nervos estão à flor da pele. É importante o grito de guerra, mas nunca partir para as vias de fato.