Em um discurso marcado por teor eleitoral, Jair Bolsonaro fez sua primeira manifestação pública após receber a faixa presidencial. No parlatório do Palácio do Planalto, durante oito minutos, atacou o socialismo, o politicamente correto, a ideologia de gênero, além de outras bandeiras que integram a pauta conservadora que conquistou 57,7 milhões de eleitores no país. Ao encerrar sua fala, inflamou o público que lotou a Praça dos Três Poderes ao mostrar uma bandeira do Brasil e bradar um bordão famoso entre seus apoiadores.
— Essa é a nossa bandeira, que jamais será vermelha. Só será vermelha se for com o nosso sangue, para a mantermos verde e amarela.
A mudança na rota em áreas como economia, diplomacia e educação foi ratificada já no início da fala, sem o tempero do equilíbrio utilizado por Bolsonaro nas últimas semanas. Ao prometer "restabelecer a ordem no país", pontuou o caminho projetado para alcançar o objetivo, que passará pelo enfrentamento a ideologias de esquerda.
— É com humildade e honra que me dirijo a todos vocês como presidente do Brasil. E me coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto.
Ouça a íntegra do discurso de Bolsonaro:
O dia da posse iniciou com chuva na capital federal, o que poderia frustrar o tradicional passeio em carro aberto do 38º presidente brasileiro. A chegada do sol levou Bolsonaro a contrariar o pedido da sua equipe de segurança, desfilando, emocionado, pela Esplanada dos Ministérios ao lado da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
No banco de trás, para surpresa até mesmo de aliados próximos, o filho mais velho do presidente, Carlos Bolsonaro, acompanhou todos os deslocamentos no Rolls Royce presidencial. Ao ser questionado sobre o porquê da presença, o irmão Eduardo Bolsonaro brincou:
— Ele é o pitbull da família.
Apesar do forte esquema de segurança para acesso aos locais destinados ao público, à imprensa e às autoridades, Bolsonaro usou colete à prova de balas em todos os eventos que integraram a posse. Nos dois discursos que fez, no Congresso e no Planalto, lembrou o atentado a faca sofrido durante a campanha, na cidade mineira de Juiz de Fora.
— Isso só está sendo possível porque Deus preservou a minha vida e vocês acreditaram em mim — dirigindo-se a apoiadores.
Fala ao Congresso
No Congresso Nacional, onde foi empossado, defendeu um pacto nacional entre a sociedade e os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Observado por deputados federais e senadores — com exceção de parlamentares do PT, PCdoB e PSOL, que boicotaram a cerimônia —, no mesmo plenário em que atuou por 28 anos, Bolsonaro defendeu "a ruptura com práticas que se mostram nefastas para todos nós, maculando a classe política e atrasando o progresso". A seus antigos colegas, afirmou que uma de suas prioridades será "proteger e revigorar a democracia brasileira".
O adeus de Temer
Enquanto Bolsonaro voltava para o Rolls Royce e iniciava seu deslocamento, mais uma vez em carro aberto, para receber a faixa presidencial, o presidente Michel Temer era anunciado no Palácio do Planalto. O emedebista chegou ao Salão Nobre ladeado por seus 29 ministros e se posicionou na parte superior da rampa, onde ouviu o famoso bordão "Fora Temer", bradado entre o público que acompanhava o evento.
Impassível, aguardou cerca de 15 minutos por Bolsonaro e Michelle, além do vice-presidente General Hamilton Mourão e a esposa Paula. Após os cumprimentos, passaram ao parlatório, onde Temer exibiu, pela primeira vez em público, a faixa presidencial, já que sua chegada à Presidência ocorreu depois do afastamento da presidente Dilma Rousseff, em maio de 2016.
Assim que passou a faixa para o sucessor, saiu discretamente do local. Sem chamar a atenção, desceu ao subsolo do Planalto, onde foi conduzido para a Base Aérea de Brasília, de onde partiu para São Paulo. Desde o meio de dezembro, a família de Temer deixou o Palácio do Jaburu. Nos próximos dias, o local será ocupado pelo vice-presidente Mourão.
Discurso acessível
O aguardado discurso de Bolsonaro demorou mais do que esperavam o público e as autoridades que acompanhavam a posse. Isso porque, quebrando a tradição, a primeira a se manifestar foi Michelle, sua esposa. Integrante do Ministério de Surdos e Mudos da Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, ela se pronunciou na Língua Brasileira de Sinais (Libras), enquanto suas palavras eram lidas por uma assessora.
Assumindo a defesa de políticas para a comunidade surda, agradeceu as orações durante a recuperação de Bolsonaro, após a facada, e exaltou o resultado das urnas.
— As eleições deram voz a quem não era ouvido e a voz das urnas foi clara: o cidadão brasileiro quer segurança, paz e prosperidade. Um país em que sejamos todos respeitados.
Ao final da manifestação, provocada pelo público, deu dois "selinhos" em Bolsonaro, ato que surpreendeu os presentes e foi saudado com palmas.
Na sequência, após rápida conversa com o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, de quem recebeu uma bandeira brasileira, o presidente iniciou seu discurso. Além de cutucar opositores, como integrantes do PT, voltou a se comprometer com a maior retaguarda jurídica para policiais que matam bandidos em confrontos.
— É urgente acabar com a ideologia que defende bandidos e criminaliza policiais, que levou o Brasil a viver o aumento dos índices de violência e do poder do crime organizado, que tira vidas de inocentes, destrói famílias e leva a insegurança a todos os lugares.
O presidente ainda se comprometeu a ampliar os investimentos em educação básica e infraestrutura, além de defender a meritocracia no mercado de trabalho e um governo que pavimente o caminho para o futuro, não criando "pedágios e barreiras".
Ao comentar a relação com a política e com o Congresso, voltou a frisar que não irá negociar apoio para a aprovação de medidas polêmicas. Na mesma manifestação, atacou privilégios, sem detalhar quais pretende extinguir, pontuando como pretende aprovar projetos de interesse do Executivo.
— A corrupção, os privilégios e as vantagens precisam acabar. Os favores politizados, partidarizados devem ficar no passado, para que o governo e a economia sirvam de verdade a toda a Nação.
Posse dos ministros
Após o discurso, Bolsonaro empossou os 22 ministros que irão compor seu primeiro escalão. O mais aplaudido foi o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Paulo Guedes, que ficará responsável pela área econômica, também foi saudado.
Ainda no Palácio do Planalto, as autoridades presentes foram chamadas para cumprimentar o novo presidente. A presença do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, não foi surpresa para quem acompanha a nova proposta de diplomacia do governo brasileiro.
O mesmo se aplica às ausências de representantes de Cuba e da Venezuela, governadas por ditaduras de esquerda, que foram desconvidadas pela equipe do Itamaraty após a contrariedade da nova equipe de governo com os convites enviados.
No entanto, a presença do presidente boliviano, Evo Morales, causou admiração. Antes da cerimônia, via Twitter, ele havia chamado o colega brasileiro de "irmão". Um dos últimos redutos dominados pelo movimento de esquerda que se popularizou na América Latina no início dos anos 2000, Morales afirmou que os dois países são "parceiros estratégicos que miram o mesmo horizonte".
Os trabalhos da nova equipe deverão começar imediatamente. A primeira reunião ministerial está marcada para a próxima quinta-feira (3). Entre as primeiras medidas a serem adotadas, está a reforma da Previdência. A intenção de Bolsonaro é iniciar a votação das alterações nas aposentadorias ainda no primeiro semestre do ano, em especial, para aproveitar a “lua de mel” com o eleitor e testar a eficácia da proposta de unir uma política sem acordos com apoio massivo no Congresso.