Restrições ao trabalho da imprensa na cobertura da posse do presidente Jair Bolsonaro provocaram polêmica entre jornalistas brasileiros e internacionais. Quatro profissionais estrangeiros deixaram o Ministério das Relações Exteriores como forma de protesto.
Ao contrário do que houve em posses anteriores, quando a imprensa tinha liberdade para circular pelo ministério e entre os poderes, dessa vez os profissionais de imprensa foram confinados em uma sala sem janelas instalada na sala San Tiago Dantas. A decisão causou protestos dos repórteres. Alguns falaram em "cárcere privado" quando a imprensa chegou ao local e foi informada pela secretária de imprensa do Itamaraty, Ana Paula Kobe, de que ninguém poderia deixar o local até as 17h30min, quando ocorreria um coquetel para as autoridades. No evento, os jornalistas novamente ficaram em um espaço sem acesso aos convidados.
A jornalista Fanny Marie Lotaire, da rede France 24, foi a primeira a pedir para sair junto com sua equipe. Em seguida, o jornalista argentino Ricardo Longuércio, da agência chinesa de notícias Xinguan, reforçou o pedido, o que levou o ministério a providenciar um ônibus para retirar os insatisfeitos e levá-los de volta ao Centro Cultural Banco do Brasil.
No Congresso, um segurança barrou a circulação de uma jornalista da própria TV da Câmara, que fazia transmissão ao vivo da chegada dos convidados. A TV Câmara é o canal institucional da Casa. A repórter estava do lado de fora do espaço onde jornalistas estavam confinados desde as 13h.
Jornalistas formavam uma fila para terem acesso a banheiros e água, localizados fora do local destinado à imprensa. Seguranças acompanhavam os profissionais até a porta dos sanitários, cujo uso só foi liberado às 15h, após discussão com a equipe do Congresso.
A imprensa teve que chegar com oito horas de antecedência para cobrir a posse de Bolsonaro no Congresso, com restrição de circulação, sem acesso a mesas, cadeiras, com dificuldade para encontrar água e café. Segundo relatos de repórteres, na saída, o ônibus obrigatório para transporte tinha cheiro de urina em seu interior.
A colunista Monica Bergamo, da Folha de S. Paulo, relatou que os jornalistas foram informados de que não poderiam ter acesso livre ao salão nobre do Palácio do Planalto, diferentemente de cerimônias anteriores de posse, como a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, e de Dilma Rousseff, em 2014: "E a assessoria alertava: neste local, era preciso evitar movimentos bruscos. Fotógrafos não deveriam erguer suas máquinas. Qualquer movimento suspeito poderia levar um sniper (atirador de elite) a abater o 'alvo'".
A colunista prossegue: "Embora a posse no Congresso estivesse marcada para as 15 horas, os jornalistas teriam que se concentrar desde cedo, embarcar nos ônibus às 8 horas, chegar no Congresso pouco depois e esperar, sem fazer nada, por mais de seis horas, para ver Bolsonaro entrar no parlamento. Entre orientações dos organizadores da cerimônia estava o de levar lanche pois não haveria comida. Tudo precisava ser embalado em sacos de plástico transparente. Era proibido levar maçã inteira na merenda. Só picada, em pedacinhos", disse.
Miriam Leitão, do jornal O Globo, afirmou que o pretexto da segurança foi usado pelos organizadores para restringir o trabalho da imprensa, o que considerou um "perigoso precedente": "Cubro posse desde o general João Figueiredo. Nunca houve nada tão restritivo", escreveu.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou nota nesta terça-feira (1º), em que protesta contra as restrições impostas à imprensa durante a cobertura da posse de Jair Bolsonaro. Para a entidade, o tratamento conferido a repórteres em Brasília é antidemocrático.
Na nota, a Abraji diz que "um governo que restringe o trabalho da imprensa ignora a obrigação constitucional de ser transparente. Os brasileiros receberão menos informações sobre a posse presidencial por causa das limitações impostas à circulação de jornalistas em Brasília".