Uma ex-gorda, uma vez, me disse uma coisa interessante. Ah, bem sei que não é politicamente correto chamar uma gorda de gorda, mesmo que seja ex-gorda, mas não há palavra que defina melhor essa condição física. Porque dizer “acima do peso”, francamente, é vago. Um mongolão de dois metros de altura será magro se pesar 85 quilos, mas um Ramiro, de 1m68cm, virará um gorducho com o mesmo peso. Logo, 85 quilos é acima para uns e abaixo para outros.
A imprensa que faz o certo é a imprensa que incomoda. Fico contente ao ser censurado por bolsonaristas e petistas.
Então, por amor à precisão, digo que minha amiga era gorda e, depois, não mais. Quando ela já era ex, é que me contou algo impressionante. O seguinte: ela não conseguia usar botas no tempo em que estava (vá lá) acima do peso. Sério. As batatas das pernas da moça eram tão robustas, que não havia cano de bota largo o suficiente para comportá-las. Era o que mais a incomodava na gordura. Ela fez regime e cirurgia bariátrica não para ficar mais bonita para os homens, não para despertar a inveja das mulheres e nem mesmo para ter mais saúde. Ela fez para calçar botas. E conseguiu. Tornou-se, talvez, não uma magricela, como minha vizinha Gisele, mas agora podia usar botas de cano alto, até os joelhos, ou altíssimo, até as coxas, e as usava, todos os dias, feito uma Xuxa.
Aliás, sabia que a Xuxa já teve 2 mil pares de botas? E que dormia 13 horas por dia, sem calcinha, para não marcar as ilhargas?
Acho isso intrigante, mas não é meu tema. Meu tema são as panturrilhas, que, por Deus, não sabia que engordavam. Sempre acreditei que panturrilhas adultas não mudassem de tamanho conforme a quantidade de calorias ingeridas. Uma outra amiga minha, inclusive, fazia de tudo para engrossar suas panturrilhas (as dela) e não obtinha sucesso. Tratava-se de uma beldade, com aquele rosto clássico das modelos: olhos amendoados, nariz fino, boca carnuda, andar de jaguar. Qualquer um diria que era uma mulher perfeita, mas ela própria, e ninguém mais, reclamava da tibieza de suas panturrilhas e, por isso, como a Xuxa e a minha amiga ex-gorda, só andava de botas.
Li em algum lugar que o ex-lateral-esquerdo Roberto Carlos tinha panturrilhas tão grossas, que precisava cortar os meiões para que coubessem nele. E que os espanhóis atribuíam o poder de seu chute à dimensão de suas panturrilhas.
Será?
Batatas da perna têm a ver com a potência do chute?
Há que se investigar a respeito.
Certo dia dos anos 1990, durante um treino da Seleção Brasileira, experimentamos, nós, jornalistas, a força da canhota de Roberto Carlos. Na verdade, ele resolveu sacanear a imprensa: nós estávamos posicionados atrás de um dos gols, e era naquela direção que ele chutava. Primeiro, pensei que Roberto Carlos estivesse com a pontaria descalibrada. Depois vi que era maldade mesmo. Ele mirava o bolinho de jornalistas e soltava o míssil. A bola vinha zunindo, a meia altura, com o peso de um paralelepípedo caindo do oitavo andar. Afastei-me do local e avisei os colegas, mas os mexicanos se atrasaram um pouco no deslocamento e foi justamente um deles que acabou atingido. O bolaço acertou-o no tampo da cabeça. O rapaz amoleceu como se tivesse sido esvaziado e desabou. Correram todos a acudi-lo, enquanto os jogadores riam. Alguns repórteres começaram a xingá-los, mas alguém, acho que o Cosme Rímoli, gritou:
– Deixa assim! É sinal de que estamos fazendo um bom trabalho!
E é verdade. A imprensa que faz o certo é a imprensa que incomoda. Por isso, fico contente ao ser censurado pelos bolsonaristas, como tenho sido de uns meses para cá. Antes, pelos petistas. Hoje, pelos bolsonaristas. Podem chutar, vocês, com suas panturrilhas gordas. Levar uma bolada, às vezes, é ganhar um prêmio.