Lá adiante, vivendo no saudável distanciamento histórico, que fica no lugar de onde se vê o que já não existe mais, lá adiante, as pessoas talvez olhem para 2018 como o ano em que a social-democracia sofreu o definitivo gancho no bico do queixo. Você sabe: é aquele murro que faz o cérebro bater contra as paredes da caixa craniana e leva o lutador a nocaute. Quer fazê-lo sentir dor, atinja-o rim. Quer fazê-lo dormir, bico do queixo. No começo da década, a social-democracia começou a receber golpes nas ilhargas, enfraqueceu-se, abriu a guarda e, em 2018, foi à lona.
Você pode achar abstrato falar em "social-democracia". Pode achar que essa discussão não faz parte do seu dia. Ao contrário. A social-democracia, depois da II Guerra Mundial, passou a ser identificada como o sistema político-administrativo ideal em quase todo o Ocidente. O bom sucesso da Alemanha foi o maior responsável por esse conceito. O grande campeão da social-democracia, Willy Brandt, chegou a ganhar o Nobel da Paz, e, antes dele, Konrad Adenauer não se dizia social-democrata, mas, em sua atuação, é claro que era.
Assim, a Europa inteira foi se tornando social-democrata, às vezes mais à esquerda, às vezes mais à direita. O Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, a Coreia do Sul, o Japão também aderiram a tipos flexíveis de social-democracia. Nos Estados Unidos, a social-democracia de Roosevelt foi festejada como a redentora do país depois da crise dos anos 1930. Houve interregnos reformistas, como nos períodos de Reagan e da sua mentora britânica, Margaret Thatcher, mas, em geral, os governantes de maior prestígio nos dois lados do Atlântico, Clinton, Obama, Tony Blair, eram sociais-democratas.
No Brasil, o pensamento social-democrata foi absoluto. O lema do governo Sarney era "tudo pelo social". O PT não é comunista coisa nenhuma; é social-democrata. E o PSDB leva a social-democracia no nome. Se você examinar detidamente as ideias dos políticos brasileiros, constatará que quase todos são sociais-democratas, dos mais à esquerda aos mais à direita. Alguns não têm ideia nenhuma, é verdade, mas, se você perguntar no que eles acreditam, eles apontarão para a ideia social-democrata do vizinho.
Em 2018, a lógica da social-democracia foi fraturada. Mas que lógica é essa, afinal? Em uma frase: é a de que os ideais de liberdade e igualdade sejam garantidos dentro de uma economia de mercado bem regulada pelo Estado.
Em 2018, a lógica da social-democracia foi fraturada. Mas que lógica é essa, afinal? Em uma frase: é a de que os ideais de liberdade e igualdade sejam garantidos dentro de uma economia de mercado bem regulada pelo Estado.
As pessoas não acreditam mais nisso. De cinco anos para cá, elas têm explodido em revoltas ocasionais contra pedaços dessas convicções. Em geral, elas nem sabem com exatidão por que estão se rebelando, como nos recentes protestos dos coletes amarelos na França ou nas marchas de 2013 no Brasil, mas o fato é que elas estão insatisfeitas. Donde, o sucesso de Bolsonaro, de Trump, do Brexit et caterva.
Em toda parte, no Ocidente, as pessoas estão gritando que, com a social-democracia, o Estado adquire muita fluidez e muita abrangência, enquanto perde sua força de controle das relações sociais. Na América Latina, a situação é mais grave: o Estado parece existir apenas para continuar existindo. Ele se retroalimenta. Deveria ser uma entidade criada pela sociedade para servi-la, mas é ele que se serve dela. A sociedade se sacrifica para manter vivo um Estado cada dia mais faminto, cada dia mais exigente.
A social-democracia foi ao chão em 2018. Está vencida e desacordada. Ainda poderá se levantar. Mas terá de mudar.