Um professor de Harvard recomendou que os restaurantes servissem porções de batatas fritas com apenas seis batatinhas. Os Estados Unidos reagiram como se ele fosse o Bin Laden ressuscitado. Foi uma insurgência nacional. As redes sociais vilipendiaram o assustado professor, que ganiu:
– Eu não sou nenhum monstro!
Para os americanos, é. Batata frita, nos Estados Unidos, chama-se "french fries". Ou seja: "fritas francesas". Mas deveria ser "american fries", porque nunca vi gostar tanto de batata frita. Tudo o que você pede em um bar ou restaurante, aqui, vem com batata frita.
Sempre achei estranha a combinação inglesa clássica, o "fish and chips", que, em sua apresentação ortodoxa, vinha em um cone feito com uma folha de jornal. "Ai, que nojo", você, que é tão sensível, diria. Acontece que o papel-jornal tem maior poder de absorção da gordura, e o peixe e as batatas desse tradicional prato britânico são mergulhados em muito azeite. Além disso, os ingleses são os maiores admiradores da imprensa livre, entre os povos europeus. Então, você matava a fome e se informava. Todos esses méritos, porém, não tornam harmônico o casamento entre o peixe e a batata frita. Peixe, se tiver de vir acompanhado de batata, terá de ser a sauté, levemente besuntada de manteiga e polvilhada com salsinha fresca.
Os americanos herdaram esse gosto enviesado de seus antepassados ingleses. Servem peixe com batatas fritas, como se faz na velha Álbion, servem filé com batatas fritas, como se faz do outro lado do Canal da Mancha, nas irmãs França e Bélgica, servem até sopa com batatas fritas.
O costume de comer hambúrguer com fritas, hoje disseminado no Brasil, é totalmente americano. O nosso velho xis nunca apareceu com essa companhia nas boas mesas.
Então, os americanos passam o dia comendo batata frita. A batata frita é o verdadeiro prato nacional dos Estados Unidos. Logo, eles jamais aceitariam essa recomendação do professor de Harvard. Vão continuar comendo batatas fritas obstinadamente.
A rigor, os Estados Unidos não têm uma comida típica. Há alguns pratos regionais, é verdade. Aqui, na Nova Inglaterra, eles fazem a "clam chowder". A tradução seria "sopa de mexilhões". É um creme branco que, às vezes, eles servem dentro de um pão de alentado tamanho. É bom. Mas não se pode dizer que seja o centro de uma refeição. É mais um consomê.
Você sabe o que isso significa? Uma superioridade nossa, brasileiros, em relação eles. Os americanos gostam de comida, sobretudo de comida em abundância, muita quantidade, muitas calorias, muita batata frita. Mas eles não sabem comer. Nós, sim. Nossos hábitos alimentares ancestrais são perfeitos. De manhã, café com leite, pão com manteiga, no máximo uma lâmina de queijo e outra de presunto sobre a fatia de pão. Ou, quem sabe, rodelas finas de salamito. Se você tiver tempo, um ovo duro. Ao meio-dia, você fará o que um americano nunca faz: você vai parar tudo a fim de desfrutar o almoço. Ah, é por isso que as empresas têm de permitir duas horas de pausa, a partir do meio-dia: para que o brasileiro se acomode à mesa e veja aterrissar a sua frente aquele prato fragrante e colorido com o negro do feijão e o branco do arroz, o bife dourado, o amarelo da gema do ovo que já se derrama e, tudo bem, batatas fritas. Ao lado, numa delicada tigela, repousa a salada de alface, tomates e cebola fatiada e escaldada, que a cebola deve ser escaldada na água fervente e depois resfriada na água gelada e em seguida escaldada de novo e resfriada mais uma vez, para que perca a acidez e se torne quase doce, como beijo de irmã.
Essa pausa para o almoço não serve apenas para a alimentação; serve para a meditação. É o momento em que o brasileiro se recolhe para estar consigo mesmo ou para com os seus. Um almoço de duas horas de duração é uma das vitórias da civilização. E mais civilizado será o homem se, às 17h, ele fizer outra interrupção nas atividades do dia para tomar um café da tarde. Aí, sim, estaremos diante de alguém que sabe viver. Ele sai do escritório ombreado por dois amigos, senta-se ao balcão da lancheria mais próxima e pede uma batida de banana com pão feito em casa, untado por uma generosa dose de manteiga.
Depois disso, já em casa, em meio ao Jornal Nacional, ele senta-se novamente à mesa, sorri para os filhos e janta talvez uma massa à bolonhesa, talvez um singelo arroz com camarão, ou até uma sopinha frugal. Seja. Mas haverá um cálice de tinto para acompanhar e a conversa amena e sorrisos suaves, que só fazem bem à digestão e à arte de viver.
Nós éramos assim. Tínhamos de ser sempre assim. Tínhamos de exercer nossa superioridade sobre esse mundo veloz, superficial, rasteiro e rude, que acredita que hambúrguer com fritas seja comida.