A maioria dos meus amigos é de esquerda. São pessoas bem-intencionadas, que estão perplexas com o que está acontecendo no país. Para muitos deles, há "uma onda fascista no país", a democracia brasileira "está em perigo", as eleições são "a luta da civilização contra a barbárie".
Eles estão errados. Mas não é por mal. Sei por que meus amigos pensam assim. As esquerdas são doutrinadas no pensamento binário da luta de classes. É o trabalho contra o capital, a elite contra o povo, a esquerda contra a direita. Por ironia, uma reprodução da crença cristã da eterna luta entre o Bem e o Mal, só que no terreno ideológico.
O eleitor de Bolsonaro não é mau-caráter e nem quer que o Brasil recue para as sombras da barbárie.
A sociedade moderna é mais complexa. Ao mesmo tempo, o sentimento do homem médio é mais simples: ele quer o melhor para si e para os seus, sem questionamentos ideológicos. Ponto.
É esse homem mediano que provavelmente dará a vitória a Bolsonaro no dia 28 e que, antes disso, em outras eleições, deu a vitória ao PT.
O homem médio não mudou de uma eleição para outra. Ele não se transformou, subitamente, em racista, misógino e homofóbico. O que mudou foi o Brasil.
É certo que o povo brasileiro é conservador. E é certo que existe preconceito entre os brasileiros. Muito natural: todos os povos do mundo são conservadores e em todos viceja certa dose de preconceito. As pessoas temem o diferente. Por conforto e por segurança, elas gostariam que tudo fosse sempre igual. Por isso, mudanças culturais são mais ou menos lentas e, em geral, não acontecem quando se usa a agressividade como meio de convencimento. Acontecem quando se usa o bom senso.
Vou tomar para ilustração dois dos maiores campeões da humanidade, dois derrubadores de preconceitos: Martin Luther King e Mandela.
Luther King era o contrário de Malcolm X. Luther King era pacífico, Malcolm X era belicoso. Luther King pregava a integração, Malcolm X defendia a separação – ele queria fundar uma América Negra, apartada dos brancos. Pouco antes de morrer, Malcolm X reconheceu que estava errado e aproximou-se de King, este, sim, o rei, o homem que mais fez pelos negros no Novo Mundo, talvez em todo o mundo.
Mandela experimentou essa luta dentro de si mesmo. Era terrorista, transformou-se em pacifista. Como pacifista, apenas pela força da palavra, transformou uma nação em quatro anos como presidente. Um gênio.
Há outros exemplos. A liberdade sorridente, leve e linda de Leila Diniz fez mais pelas mulheres brasileiras do que todos os discursos pelo empoderamento e contra o patriarcado já feitos no Facebook. A naturalidade na assunção de relacionamentos homoafetivos, como no caso da colega jornalista Fernanda Gentil e da minha amiga Priscila Montandon, faz mais pelos gays do que todas as cusparadas de Jean Wyllys.
É muito mais fácil convencer as pessoas pelo exemplo do que pelo insulto. Ou conversando.
Ou, simplesmente, ouvindo-as.
Mas as esquerdas não ouvem. As esquerdas falam.
O que o homem da rua está dizendo e que não é ouvido?
Que ele não quer mais esse sistema. Que não suporta mais a corrupção e o jogo de interesses. Que ele está com medo. Que ele teme por sua família. Que a liberdade vale pouco se não houver segurança.
O homem da rua acredita que Bolsonaro vai atender a essas demandas. Foi mérito de Bolsonaro conseguir convencê-lo disso. O eleitor de Bolsonaro, portanto, não é mau-caráter e nem quer que o Brasil recue para as sombras da barbárie. O eleitor de Bolsonaro é igualzinho ao do PT. Ele pode até já ter votado no PT.
O homem da rua, que hoje vota em massa em Bolsonaro, não raro cultiva seus preconceitos, mas também é capaz de ver a beleza no amor de duas pessoas do mesmo sexo, é capaz de desenvolver amizade sincera por quem tem cor de pele diferente da sua, é capaz de se mobilizar para ajudar quem possui menos do que ele.
Se Bolsonaro vencer, tomara que ele não decepcione o homem da rua. Tomara que pelo menos parte do que se espera dele se cumpra. Quanto às esquerdas, tomara que a derrota lhes sirva de aprendizado. Não para que aprendam a vencer de novo. Para que aprendam a ouvir.