Uma casa de madeira que tenha um quintal atrás e um jardinzinho na frente, em que vizinhos conversem com os cotovelos apoiados na cerca que lhes divide os pátios e, no fim da tarde, possam colocar cadeiras na calçada para tomar um mate e contar histórias antigas. É isso o que as pessoas querem no Brasil. Só isso. E isso está no centro das eleições.
Mas, antes de falar sobre eleições, tenho de falar das histórias antigas. É que, na sexta, para ilustrar a coluna, lembrei da história do “olha que eu caio”, que meu avô contava naqueles serões com cadeiras na calçada da Rua Dona Margarida, 355. Se você não leu, faço um resumo: um caixeiro viajante chegou a uma pousada no meio da estrada e pediu um quarto para passar a noite, o dono advertiu que só havia um disponível, um que era… brrr… mal-assombrado. O caixeiro não se intimidou, aceitou ficar com o quarto, tinha mais cansaço do que medo. Mas, ao deitar, ouviu uma voz vinda, obviamente, do Além, que fica para lá dos tetos dos quartos: “Olha que eu caio…”. E a voz continuava repetindo, em tom grave de advertência, “olha que eu caio…”, enquanto caía primeiro um braço, depois uma perna e assim subsequentemente.
Ocorre que não me lembro de como a história termina, e pedi ajuda dos leitores. Recebi. Foram dois os finais apresentados. O Clóvis Zago disse que ouviu esse conto do avô dele e que termina assim: depois de completo o corpo, o homem se levanta do chão já com uma adaga em punho. Como o caixeiro viajante também tinha uma adaga, dá-se um duelo entre os dois, vencendo o caixeiro viajante. The End.
Já o Eder Marion ouvia essa história da boca de seu pai quando eles viviam no pequeno município de Lagoão, interior de Soledade, onde nem energia elétrica existia. Assim, à falta das novelas da Globo, os adultos se reuniam ao anoitecer para contar tais causos. Segundo o pai de Eder, o que aconteceu foi o seguinte: depois que todas as partes do corpo caíram, formou-se um negro alto e forte, que encaixou os membros, se levantou, cumprimentou o caixeiro por sua bravura e pediu que ele o acompanhasse até o porão da casa. Eu, se fosse o caixeiro, não iria, não me agrada ir a porões com um negro alto e forte que se formou de pedaços que caíram do teto. Mas ele foi. E se deu bem. Lá embaixo, o Frankenstein caboclo indicou onde estava escondido um tesouro, masavisou que, para usá-lo, o caixeiro deveria mandar rezar 300 missas para a alma dele, fantasma. O caixeiro prometeu fazer isso, cavou no lugar assinalado e encontrou um baú cheio de moedas de ouro, prata e bronze. Mandou rezar as missas e viveu o resto da vida rico e feliz.
Gosto desse segundo final.
Mas o que queria falar era sobre o desejo que as pessoas têm de viver em paz. Vidas simples, mas pacíficas, sem medo. Vidas de cadeiras nas calçadas. É o que mais move o brasileiro hoje em dia. E foi o principal motivo do voto nas eleições, junto com a Lava-Jato.
Bolsonaro conseguiu convencer o eleitor de que dará mais atenção à segurança, mas suas propostas são superficiais: redução da maioridade penal, flexibilização do porte de armas, menos punições aos policiais que matarem em ação…
Haddad diz que usará a Polícia Federal para reprimir organizações criminosas e que criará um Sistema Único de Segurança Pública, uma espécie de SUS da polícia. Além disso, fez uma proposta trágica, se levado em consideração o que sente a maioria dos cidadãos brasileiros: livrar da cadeia quem comete delitos menores. Não é esse tipo de solução que os eleitores esperam.
Não acredito em nenhuma das propostas apresentadas. Não acredito nessas mágicas se o problema não for atacado na raiz: nas crianças. O menino descalço, que vagabundeia em situação de semiabandono pelas periferias do Brasil, é esse que, daqui a poucos anos, estará atocaiado atrás de uma árvore, com um canhão nas mãos, esperando pela entrada do carro da família na garagem. É ele que roubará, matará e estuprará. É ele que tem de ser atendido no lugar apropriado: a escola pública. Uma nação se faz pela escola pública. E, tristemente, ninguém fala na escola pública no Brasil.