A casa dos meus avós ficava nos Navegantes. Rua Dona Margarida, 355. Às vezes, ainda sonho com aquela casa. Era feita de madeira, com a sapataria do meu avô na frente, dando para a rua. Entrava-se por um portão lateral também de madeira, fechado por uma pequena tranca que abríamos enfiando a mão por entre as ripas. Então, caminhávamos por um corredor formado, de um lado, pelas paredes da casa e, do outro, por um canteiro de hortênsias que havia sido plantado pela minha avó. Nos fundos, abria-se um grande pátio onde havia tudo o que pode fazer sonhar uma criança: árvores e flores, um parreiral debaixo do qual tomávamos café da tarde no verão, duas casinhas que um dia meu vô alugou a inquilinos e que agora serviam de depósito, um galinheiro de onde às vezes saíam pintinhos ou, antes deles, ovos frescos para a gemada das 10 da manhã, gatinhos muitos, raros cachorros e até um porco.
Quero falar das cadeiras na calçada. Que estão, elas sim, no centro do que acontece hoje no Brasil.
Minha ideia de lar é uma casa parecida com aquela, talvez num bairro parecido com aquele, só que haveria de ser como no tempo em que era criança. Nos finais de tarde, meus avós, minha mãe e minha madrinha faziam chimarrão, pegavam cadeiras e se reuniam com os vizinhos na calçada. Ficavam contando histórias, principalmente de terror. Lembro de pedaços de algumas: um caixeiro viajante chegava a uma estalagem à beira da estrada e, depois de jantar, pedia um quarto para passar a noite. O dono do lugar lamentava, não havia nenhum. O caixeiro insistia, por favor, ele estava muito cansado. O dono apertava a boca, respirava fundo e avisava:
– Tem um. Mas é um quarto em que ninguém quer ficar.
– Por quê?
– Lá morreu um homem de uma morte horrível.
O caixeiro dava de ombros:
– Não tem problema, não tenho medo de fantasma…
– Estou avisando…
– Não tem problema!
– Eu avisei…
O caixeiro ia para o quarto, lavava-se, deitava e, quando estava prestes a adormecer, ouvia uma voz masculina e grave, vinda de algum lugar no alto:
– Olha que eu caio…
O caixeiro procurava pelo quarto, não encontrava ninguém e voltava para a cama. Deitava-se. E a voz ecoava de novo:
_ Olha que eu caio…
– Quem está aí? – gritava o caixeiro. A resposta:
– Olha que eu caio…
E outra vez:
– Olha que eu caio…
– Cai de uma vez, então! – gritava o valente caixeiro.
E, BLUM!, caía de algum ponto do teto um braço humano.
O caixeiro, desassombrado, olhava aquilo e virava-se de lado. Um braço não o impediria de descansar. Mas aí a voz voltava:
– Olha que eu caio…
– Cai, pô! E me deixa dormir!
E, CATAPUM!, desabava uma perna de homem.
O caixeiro olhava, suspirava e se preparava para dormir, quando:
– Olha que eu caio…
A história seguia assim, partes de gente iam caindo do teto do quarto e formando uma pessoa, até que… Você vai ficar furioso, mas não me lembro de como termina. Será que algum leitor esperto conhece essa história? Em todo caso, não é esse o centro do que quero falar. Quero falar das cadeiras na calçada. Que estão, elas sim, no centro do que acontece hoje no Brasil, um país em que as pessoas querem voltar a poder colocar as cadeiras na calçada. Claro que estou falando de segurança, mas prossigo na próxima coluna. Até.