Estava lendo uma biografia de Leonardo da Vinci, agora, nas minhas férias no Brasil, quando outro livro se atravessou em meu caminho. Era um volume pequeno, da espessura de um dedo mindinho, que me foi presenteado por um de seus coautores, o psiquiatra José Facundo. Fiquei interessado, porque o autor principal e protagonista da história é uma pessoa de quem gosto: o colega jornalista Hiltor Mombach, veterano editor de Esportes do Correio do Povo.
Hiltor escreveu corajosamente sobre um mal que o afeta e que, para mim, era pouco conhecido: a síndrome do pânico. Não precisei de mais do que algumas poucas horas para ler o livro, e Hiltor não precisou de mais do que essas poucas horas para me deixar tocado. Seu relato reforça uma verdade sempre perturbadora: como somos frágeis.
Quando o Corpo Grita é o título do livro, e é sugestivo, porque o corpo está gritando por sentir as dores da mente. Os médicos ainda não descobriram a cura da síndrome do pânico e nem sabem exatamente quais são suas causas, mas estão claros os fatores emocionais. Está claro, sobretudo, um fator, que é o que me leva a escrever neste momento: a sensação de desamparo.
Esse sentimento está incrustado no centro da alma humana. O Homo sapiens poderia ser definido como o animal que tem a consciência de que algo ruim pode acontecer com ele e que nada o protegerá disso. Mais: é o animal que tem a consciência de que algo muito ruim INEVITAVELMENTE acontecerá com ele. Porque ele sabe que vai morrer.
Ou seja: o Homo é sapiens por saber da morte. É essa a nossa trágica sabedoria.
Mas tudo seria mais fácil se, do nascimento à morte, nós tivéssemos garantias. Só que não temos nenhuma. As crianças da Síria são despedaçadas por bombas e as do Rio por balas perdidas, mães dedicadas morrem em assaltos em Porto Alegre e adolescentes são assassinados com fuzis de repetição nos Estados Unidos, o Estado Islâmico manda seus fanáticos atropelar inocentes na Europa, homens fazem mal a outros homens no planeta inteiro, e ainda há as doenças, os acidentes, as intempéries, os infortúnios tantos. O mundo é um lugar perigoso para se viver, mas, por enquanto, não dispomos de outro.
O que o homem pode fazer para se prevenir contra as ameaças da vida? É essa a grande, se não a única, pergunta que tentam responder as religiões e a filosofia. As religiões garantem que, se formos bons, Deus cuidará de nós. Mas não é o que a experiência demonstra. Ao contrário: os homens, a natureza e a sorte não se cansam de cometer injustiças contra as melhores pessoas, as mais inocentes. As religiões resolvem essa incoerência assegurando que há vida depois da morte e que é lá, nessa nova dimensão, que será paga a recompensa pela bondade. O problema é que esse consolo nem sempre é suficiente. A maioria das pessoas preferiria que suas boas ações fossem reconhecidas enquanto elas respiram debaixo do sol. Quer dizer: a angústia continua.
A filosofia tenta resolver o impasse procurando uma lógica na existência, mas, como diz a celebridade da astrofísica Neil DeGrasse Tyson, “o universo não tem obrigação de fazer sentido para você”. Assim, quanto mais o homem pensa e especula, mais dúvidas encontra. Natural, portanto, que tenhamos medo. Que gera angústia. Que pode até se transformar em doença séria, como a síndrome do pânico.
Qual a saída?
Talvez haja uma. Por isso continuo. Amanhã.