Em 2006, Anne Wojcicki, filha de uma professora e de um físico da Stanford, lançou um desafio para a indústria da saúde. Sua empresa de biotecnologia, 23andMe, partia do pressuposto de que algo que todo mundo tem em comum é a curiosidade sobre si mesmo: de onde veio, qual seu futuro. A empresa oferecia um produto científico para essa demanda: um teste "popular" genético, em que sequenciava seu genoma (todo o conjunto de genes do seu corpo) e fornecia sua propensão genética a diferentes condições, além de identificar sua origem ancestral.
Anne sabe fazer relações públicas. Ela convidava celebridades para festas em que eles cuspiam em um potinho e, depois, dava o resultado genético. A Ivanka Trump saiu da festa se gabando de que tinha pouca propensão genética para engordar. Enfim, um sucesso. Sua empresa virou um "unicórnio" do Vale do Silício, uma empresa com capital de US$ 1 bilhão.
Uma amiga me perguntou outro dia o que significa sequenciar o DNA. Todo o material genético do um organismo está empacotadinho, uma cópia completa no núcleo de cada célula que forma uma pessoa. Seu DNA funciona como um livro em que está escrito a programação que faz do seu corpo o que ele é. Os genes interagem com o ambiente, então não são definitivos – ainda estamos aprendendo seus graus de previsibilidade.
Por exemplo, se a Ivanka comer tudo o que o pai dela come, provavelmente pode, sim, ficar do tamanho dele. Há 20 anos, demorávamos uma semana para "ler" a informação de um gene. Hoje, em minutos, podemos sequenciar toda a informação genética de um indivíduo. Se você pagar US$ 100, a 23andMe conta o que está escrito no seu DNA.
Mas a FDA (a Anvisa dos americanos) não concordou com esse entusiasmo. As pessoas não estariam preparadas para receber informações tão importantes. Elas poderiam parar de tomar medicamentos sem falar com seu médico, por exemplo. No caso de mutações que estão 90% ligadas ao desenvolvimento de tumores, muitos se desestabilizam psicologicamente ao saberem-se carreadores. A empresa sofreu um baque. Descapitalizou-se. Levou 10 anos, mas Anne a reconstruiu, tornando os testes mais baratos: selecionando conteúdos, oferece consultoria para entender os resultados.
Muitos já estão comprando seus produtos. Uns adorando, outros reclamando. Teve um neonazista que descobriu que 50% dos seus genes eram de origem africana e processou a empresa. Mas os problemas não acabaram. As empresas de seguro médico adoraram o produto e ameaçam cobrar preços diferenciados a partir do resultado dos testes.
A empresa de Anne sofreu por ela compreender muito cedo uma tendência que era irreversível: a de popularizar a informação científica. Precisamos discutir agora o que fazer com toda essa revolução. Legislar para garantir seguro saúde a todos, independentemente das mutações herdadas. Aprender a otimizar nossa herança genética com prevenção, dieta, exercício. E, quem sabe, entender de vez que raças não existem, como sabem já há muito tempo os geneticistas. Daí, talvez, o Dia da Consciência Negra pudesse ser um momento de olhar com nostalgia para todos os nossos genes que vieram dos primeiros humanos, que surgiram na África. E que, afinal, é verdadeiramente o que todos temos em comum.