Nos últimos dias, junto com a notícia de que o TSE votara por manter Temer, recebi três notificações do CNPq – a agência federal que financia a maioria das pesquisas científicas no Brasil – de que as últimas propostas enviadas, apesar do mérito reconhecido, não seriam apoiadas com financiamento. Essa é uma carta padrão que enviamos a mais de 90% dos pesquisadores no Brasil. Atualmente, faço parte do Comitê Assessor da minha área no CNPq – somos os responsáveis por ranquear as propostas que serão financiadas.
Para cada chamada, nosso trabalho resume-se a uma escolha dilacerante. Para qual pesquisador destinaremos as migalhas que o atual orçamento da união aloca para ciência e tecnologia? Aos singulares colegas que, devido ao seu inegável talento, conseguiram, apesar de morar no Brasil, atingir níveis de excelência comparáveis aos igualmente talentosos cientistas com orçamentos de Primeiro Mundo? Ou aos promissores, incansáveis, que buscam incessantemente tais níveis de excelência, contra todas as magras chances que o país oferece hoje? Talvez aos promissores jovens pesquisadores que retornaram ao Brasil, após demonstrarem excepcional competência ao completarem seu treinamento em universidades de primeira linha no Exterior? Sendo que não poderíamos, veja bem, apoiar mais de um deles ao mesmo tempo.
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A revista Nature, em abril deste ano, destaca como os recursos para ciência e tecnologia foram brutalmente esquartejados neste ano no Brasil – o Ministério da Ciência e Tecnologia foi demovido para dentro do Ministério das Comunicações (?).
O orçamento é o menor dos últimos 12 anos, e os 44% de corte são particularmente severos se comparados ao corte geral de 28% no orçamento da União. Luiz Davidovich, físico, presidente da Academia Brasileira de Ciências, compara o corte a uma bomba atômica, que nos alijará tecnologicamente por gerações: "Se estivéssemos em guerra, essa seria uma estratégia excelente de aniquilação. Mas estamos fazendo isso a nós mesmos".
Sim, este é um ato de guerra contra o futuro do Brasil, como coloca Sidarta Ribeiro, um dos grandes neurocientistas do país. Várias vezes escrevi aqui: país sem tecnologia, sem ciência, sem educação, é país escravo. Como em todas as guerras, o êxodo será inevitável. Muitos dos melhores cientistas, daqueles que poderiam construir nossa independência, precisarão deixar o Brasil.
Tradicionalmente, a imagem veiculada do cientista é a de uma pessoa fria, sem sentimentos, meio fora da realidade. Ao contrário, paixões pulsam fortes dentro da ciência. Fazemos nosso trabalho apaixonadamente, impelidos por uma certeza de que esse é nosso chamado, nossa vocação. Compreender a natureza, traduzir o desconhecido, esclarecer o mistério. Fazer isso cercado de nossos entes amados, dos amigos, da nossa cultura, dos jovens da nossa comunidade – esse é o nirvana. Deixar tudo isso para trás, para continuar sendo quem somos, em outra terra onde isso é compreendido, mas onde seremos para sempre estrangeiros – é uma dor profunda, uma chaga aberta para o resto da vida. E as consequências para quem fica serão devastadoras.
Isso tudo acontecerá porque, como sociedade, desistimos do futuro. Deixamos que bufões travestidos de líderes decidam nosso destino. Nos entregamos passivamente aos desmandos de "presidentes", "vices", "juízes". Cedemos àqueles que colocam sua agenda pessoal, seus egos, suas ambições, acima do cargo para o qual foram eleitos ou escolhidos, dando-lhes poder de reescrever as regras. Lembre-se disso, ao explicar direitinho o mundo aos seus filhos e netos.