Washington – Ela tem um escritório no mesmo corredor do presidente na Casa Branca; ele acabou de se mudar para o andar de cima. Um recentemente visitou o Iraque devastado pela guerra como emissário do presidente; a outra foi para Berlim a convite da chanceler alemã.
Ambos têm assentos à mesa em qualquer reunião que escolham participar, vão a almoços com líderes estrangeiros e desfrutam de "privilégios de entrada" no Salão Oval. E com a marginalização de Stephen K. Bannon, Jared Kushner e Ivanka Trump ocuparam os postos de conselheiros mais importantes do presidente Donald Trump, pelo menos por enquanto.
Mais abertamente do que qualquer presidente antes dele, Trump administra a Ala Oeste como um negócio de família, e ao afastar Bannon, seu combativo estrategista-chefe, voltou-se para a filha e o genro. Essa ascendência deixou alguns apoiadores conservadores preocupados com a influência crescente dos jovens nova-iorquinos, enquanto que alguns moderados e liberais tentam se esquecer do nepotismo na esperança de que o casal modere o presidente temperamental.
Mesmo assim, apesar de toda a conversa sobre um golpe discreto contra Bannon, Kushner e Ivanka Trump conseguiram poucas vitórias concretas. E vários funcionários do governo e pessoas próximas da família disseram que a atitude do casal contra Bannon foi motivada menos pelo interesse na elaboração de qualquer política específica e mais na tentativa de conter o que ambos viam como uma sequência embaraçosa de erros que poderiam danificar a marca da família Trump.
"Se você pensar nisso como um modelo de negócios clássico, Trump gosta de investir em vencedores porque eles fazem mais dinheiro e Jared tem tido vitórias bastante consistentes. Com ele, você está sempre em um tipo de relação 'qual é seu relatório trimestral'", disse Newt Gingrich, ex-líder parlamentar, aliado de Donald Trump.
Nem Kushner, nem Ivanka têm experiência de governo. Kushner, de 36 anos, administra o império imobiliário que herdou de sua família e comprou o New York Observer como um projeto paralelo; Ivanka, de 35, tem uma marca de roupas para jovens que provavelmente se alinham com os adversários de seu pai.
Mas o relatório trimestral de Kushner mostra que o rapaz está em modo de fusão e aquisição. Uma após a outra, ele expandiu sua carteira em áreas diversas, incluindo a paz no Oriente Médio, a epidemia de uso de opioides, as relações com a China e o México e a reorganização do governo federal, de cima para baixo. "Tudo passa por mim", disse ele a executivos durante a transição.
Ultimamente vem tentando reformular o sistema de justiça criminal, uma meta que Donald Trump abraçou enquanto candidato, perto do final da campanha, quando tentou trazer para si os eleitores negros de Hillary Clinton, mas está batendo de frente com o procurador-geral Jeff Sessions, que favorece o endurecimento, não o abrandamento, de sentenças mínimas obrigatórias.
Alguns colegas, incluindo Bannon e Reince Priebus, o chefe de gabinete da Casa Branca, veem a lista de atribuições sobrecarregada de Kushner com desprezo cômico, de acordo com alguns assessores de Trump que insistiram no anonimato para falar sobre o casal. Depois da viagem de Kushner para o Iraque, assessores da Casa Branca se referiam a ele como "secretário de Estado".
Mas todos estão mais preocupados com Ivanka, que só recentemente chegou à Ala Oeste e até agora tem sido mais discreta que seu marido ambicioso. Inicialmente resistindo a um papel formal na administração, ela assumiu agora um escritório e uma posição no governo – embora, como seu marido, sem receber salário – preocupada com os problemas do pai nos dois meses de mandato.
De acordo com assessores, ela encara seu papel em parte como guardiã da reputação da família e, desde a campanha, se preocupa com os danos em longo prazo à imagem dos negócios que a carreira política do pai poderia causar.
Mas a suposta contrarrevolução liberal nos bastidores, que os críticos temem, produziu resultados modestos. Recentemente, o presidente assinou a legislação que permite que os estados neguem financiamento federal para os prestadores de cuidados de saúde das mulheres que oferecem serviços de aborto, como o Planned Parenthood. Ivanka e Kushner estavam esquiando no Canadá, e também estavam nas montanhas em Aspen durante o colapso da tentativa de alterar a política de saúde.
"Acho que há várias maneiras de se fazer ouvir. Em alguns casos, é protestando e aparecendo nos telejornais falando ou denunciando todas as questões das quais você discorda; em outros, é discreta e diretamente, e com candura", disse Ivanka recentemente à CBS News.
"Então, quando discordo do meu pai, ele fica sabendo. E eu me expresso com sinceridade total. Quando concordo, apoio a agenda e espero ser útil para ele e causar um impacto positivo. Mas respeito o fato de que ele sempre me ouve. Ele é assim nos negócios e é assim como presidente."
Carl Sferrazza Anthony, historiador da Biblioteca Nacional das Primeiras-Damas, disse que Ivanka Trump pode desempenhar um papel vital para o pai e a elogiou por ser transparente na tomada de posições, em vez de operar nos bastidores.
Mas Chris Whipple, autor de "The Gatekeepers", uma história sobre chefes de gabinete da Casa Branca, disse que parentes na Ala Oeste podem confundir a cadeia de comando. "Pode ser desastroso se eles exercem sua influência à custa do chefe de gabinete", disse ele.
No centro da presidência de Trump há um paradoxo: até mesmo aliados reconhecem que Trump é impulsivo, indiferente à preparação e propenso a aceitar o último conselho oferecido. Precisa de uma mão forte, mas insiste em parecer firme, então qualquer assessor visto como manipulador pode enfrentar sua ira. Foi Trump quem afastou Bannon, motivado menos pela ideologia do que pela insatisfação com falhas recentes, além de sua percepção de que o estrategista-chefe estava tocando uma operação para se engrandecer à custa do presidente.
Ao mesmo tempo, Trump e sua família monitoravam de perto o antigo site de Bannon, o Breitbart, que consideram uma arma em sua guerra contra os rivais da Casa Branca. Ao ser confrontado, Bannon disse ao presidente que o site estava funcionando sem seu controle e contra sua vontade.
Ivanka Trump nunca foi próxima a Bannon, embora apreciasse a ferocidade de seu trabalho. Ela o coloca na categoria de personagens coloridas e mal acabadas que seu pai coleciona, como Roger Stone, um antigo funcionário de Trump.
Nas últimas semanas, ela falou sem rodeios com o presidente sobre os defeitos de Bannon. Estava especialmente irritada com artigos que ela acredita terem sido plantados por aliados, sugerindo que ele, não seu pai, era o responsável pela mensagem econômica populista que o ajudou a conquistar o Centro-Oeste.
Donald Trump preferiria que a situação com Bannon se estabilizasse, de acordo com pessoas familiarizadas com o seu pensamento, além de mantê-lo a seu lado, embora com um papel mais circunscrito, do que vê-lo se tornar um crítico populista. Bannon, intuitivamente, compreende a conexão entre o presidente e os eleitores brancos da classe trabalhadora e seu instinto de demolir as normas políticas.
A expectativa que Ivanka Trump possa levar o pai para a esquerda em questões sociais não ajuda, disseram pessoas próximas a ela, pois compartilha de sua visão economicamente conservadora e não entrou na Casa Branca para ser a guerreira de questões sociais.
De sua parte, Kushner se deu bem, em parte, porque nunca tentou "explicar o que quer", disse Gingrich. "Ele faz muita questão de ouvir Trump e tentar descobrir o que ele precisa e o que está tentando fazer."
Kushner permanece calmo enquanto outros se desgastam com o temperamento do presidente. Durante a campanha, quando o candidato ficava revoltado com o desempenho de seus assessores, ele lembrava o sogro de que quatro pessoas não poderiam ser demitidas – ele e os três filhos de Trump.
Mesmo assim, se Trump tem algum bordão de gestão, pode ser este: o único empregado indispensável olha para trás pelo espelho.
Por Peter Baker, Glenn Thrush e Maggie Haberman