Em um passeio por uma mata no sul da Bahia, em companhia de um biólogo e um agrônomo, o documentarista João Moreira Salles ouviu um de seus companheiros comentar: "Que linda essa serrapilheira". Olhou ao redor, procurando uma árvore mais frondosa ou uma borboleta mais vistosa, mas seus amigos miravam o chão. Serrapilheira é a camada de folhas, cascas de fruta, galhos, enfim, restolhos de material orgânico que se acumulam na base de uma mata. Surpreso por entender que aquilo no qual pisava não apenas era importante, como podia ser belo, jamais esqueceu esse nome. As serrapilheiras alimentam ecossistemas florestais, reciclando nutrientes. No ano passado, João fundou com sua esposa o primeiro instituto de pesquisa privado do país, doando R$ 350 milhões e batizando-o de Serrapilheira.
No Primeiro Mundo, é quase obrigatório para milionários criarem fundações e doarem grandes somas de dinheiro para pesquisa. Moreira Salles ficará na história por ter sido o primeiro a fazer isso no Brasil. Ele sempre foi curioso pela ciência, mas admite que nunca teve quem o influenciasse ou incentivasse a seguir essa carreira. A maioria dos cientistas compartilha um momento, ou um grupo de encontros durante a juventude, com um professor, cientista ou amante da ciência que impressionou de modo profundo, levando a esse caminho. Moreira Salles, que tem cientistas entre seus amigos, entende o quanto isso é necessário para que o Brasil tenha um futuro de protagonista, ou ao menos que não se eternize como país escravo de tecnologias importadas. A iniciativa dele vem quase que concomitantemente ao severo corte de 44% nos recursos de ciência e tecnologia que Temer impôs, sobre o qual 22 ganhadores do Nobel recentemente protestaram em carta aberta à presidência brasileira.
Moreira Salles não veio substituir o investimento público em ciência: este precisa ser garantido pelos impostos que pagamos. O Instituto Serrapilheira visa, como seu nome sugere, nutrir a ciência brasileira. Fomentar o novo, por entender que é do inusitado que vem muitas vezes o progresso. Seu primeiro edital foca nos jovens doutores, que se titularam no máximo há oito anos. Pede que ousem, que façam as grandes perguntas. Aquelas que, quando respondidas, proporcionam avanços reais para um campo. Moreira Salles é cineasta, e tanto cientistas como artistas compartilham a criatividade como característica e pré-requisito básico. Mas talvez o aspecto mais revolucionário do Instituto seja desburocratizar o uso dos recursos que o pesquisador captar – deixar que o pesquisador use os recursos como quiser, dentro do projeto. Inédita nos órgãos que ainda financiam ciência no Brasil, essa inovação é crucial para que o pesquisador tenha ginga para driblar as loucas flutuações políticas e econômicas e finalizar seu projeto. Moreira Salles admite que gosta mesmo é de papear com cientistas: trabalhando praticamente na clandestinidade, totalmente contra o fluxo dos acontecimentos, sempre têm histórias apaixonantes para contar. Em um país onde as noticias são geralmente ruins, esta é, sem dúvida, a mais alentadora novidade que se ouviu, em um longo tempo.