Aparentemente, uma grande quantidade de pessoas compartilha a lembrança de Nelson Mandela ter morrido na prisão nos anos 1980, apesar de ele ter vivido ate 2013 e ter sido o primeiro presidente negro da África do Sul após ter saído da cadeia, nos anos 1990. Embora tal fato possa parecer ridículo para muitos, vários websites comentam que isso é tão frequente que recebeu um nome, o efeito Mandela, em que grupos de pessoas compartilham uma memória absolutamente falsa, ou seja, acredita lembrar-se de algo que nunca aconteceu.
Lapsos de memória são comuns, contudo, um novo e assustador fenômeno parece estar emergindo nas interações em redes sociais, distorcendo a fronteira entre a memória individual e a coletiva. Todos reconhecem as vantagens da internet, mas a avassaladora desinformação promovida por sites de noticias falsas tem o potencial de distorcer memórias de maneira devastadora. Porque as memórias coletivas são a base da História.
E a maneira como as pessoas percebem a História muito frequentemente determina como elas pensam o futuro. Por exemplo, o presidente dos EUA citou, em cadeia nacional, ataques terroristas que nunca aconteceram, que ele viu em um noticiário ou ouviu falar (!). Isso para justificar a política que vem tentando instituir de banir a entrada de pessoas de determinadas nacionalidades no país. A História frequentemente é reinterpretada para fins políticos, mas cientistas vêm investigando como se formam as memórias coletivas, para entender por que são tão passíveis de distorção.
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Grupos de cientistas da Universidade de Zurique e da Universidade de Princeton mostraram que as redes sociais são poderosos arquitetos de memórias, e que as pessoas precisam de pouca coisa para se adaptarem a uma nova lembrança – mesmo que seja de um fato que nunca aconteceu. Porque a comunicação molda a memória. Pesquisas em pares de pessoas conversando sobre o passado mostram que uma pessoa pode convencer facilmente a outra de um fato ao repeti-lo seletivamente.
O pior é que faz sentido, porque aquilo que é mencionado é lembrado – não apenas por quem fala, mas também por quem ouve! E, de acordo, o que não é mencionado, é esquecido. Isso é conhecido como convergência de memória, em um grupo pequeno. Mas estudos em grupos maiores mostram como um grande grupo social pode influenciar a convergência de memórias em seus membros. Indivíduos de uma universidade tendem a lembrar de informações (que no estudo eram falsas) vindas de pessoas que pertencem à mesma universidade que elas, e a esquecer informações se elas são fornecidas por pessoas de fora dela. Os grupos que partilham memórias sentem uma identidade, que se traduz em sensação de força, e, portanto, proteção.
Os estudos mais recentes mostram que as áreas do cérebro de uma pessoa que têm memória errada podem ser identificadas quando ela corrige a lembrança ao receber a informação correta. Embora memórias falsas possam ser o preço a pagar por permitir que a informação circule livremente, é fundamental entender como elas se formam. Num mundo cheio de Trumps e raríssimos Mandelas, precisamos de todo o conhecimento possível para encontrar a realidade em meio a tantas alternativas que nos são oferecidas diariamente.