Um assalto incomum, no centro de Montevidéu, em setembro passado, chamou a atenção do repórter do Grupo de Investigação (GDI) Humberto Trezzi. No entardecer do dia 3 de setembro, uma segunda-feira, criminosos brasileiros atacaram um carro-forte da Prosegur em frente ao Palácio Legislativo e trocaram tiros com seguranças do blindado. Cinco pessoas ficaram feridas.
Com contatos na polícia uruguaia e amigos em redações do país vizinho, Trezzi acionou suas fontes. Buscava saber se a participação de brasileiros em crimes violentos era frequente, mas esbarrou em outra informação:
– Todas as pessoas com as quais eu falei me disseram que o problema não eram os assaltos.
O grave mesmo, o que está assustando os pacatos uruguaios, é o aumento dos homicídios causados pelo tráfico.
O fim da repressão ao consumo de marijuana foi aprovado em 2013 no Uruguai, e a comercialização liberada, parcialmente, em 2017. Desde então, ocorreu a maior explosão de assassinatos entre os países que partilham fronteiras com o Brasil. Foram 382 homicídios em 2018, 35% a mais do que os 283 do ano anterior – mais de uma vítima por dia, algo inédito em um dos países menos violentos da América Latina.
Diante dos dados, Trezzi, um dos mais premiados repórteres investigativos do país, fez as malas e partiu em direção ao Sul. Entrevistou policiais e promotores dos dois lados da fronteira, conversou com familiares de vítimas, e descobriu que traficantes brasileiros estão em guerra pelo mercado uruguaio.
Em 2018, conforme o Ministério do Interior do Uruguai, 58% das mortes aconteceram devido às quadrilhas – quase seis a cada 10 execuções, algo semelhante ao que ocorre no Rio Grande do Sul, em especial na Região Metropolitana.
– É o país do Cone Sul, disparado, onde mais aumentou o número de homicídios. Mais do que Argentina, Chile, Brasil. Quem conhece o Uruguai, um país pacífico, fica espantado. É triste – conta Trezzi, que esteve oito vezes no Uruguai fazendo reportagens nas últimas duas décadas.
Em três anos, fomos três vezes ao Uruguai para produzir grandes reportagens sobre a liberação da droga. Em março de 2016, contamos como os uruguaios tentavam evitar o “turismo da maconha”. Entre abril e maio do ano passado, voltamos a Montevidéu para relatar a história de brasileiros que haviam se estabelecido às margens do Rio da Prata para plantar e consumir a erva.
Com a Guerra da Maconha, que ocupa manchete e as páginas 24 a 28 desta edição, Zero Hora mergulha no fenômeno da violência pós-liberação da marijuana. Como prevê o bom jornalismo, abordados diferentes ângulos para ajudar a interpretar os impactos de uma mudança que atrai os olhos do mundo.