Especialistas ouvidos por GaúchaZH, contrários e favoráveis à possibilidade de uso de maconha, concordam que a violência estourou após a liberação do consumo no Uruguai. Mas não há consenso se a violência saiu de controle em decorrência da legislação liberal sobre maconha ou, como acreditam outros, ela ocorreria com ou sem legislação restritiva — seria questão de tempo para o Uruguai virar local de concorrência entre facções, uma vez que a internacionalização do tráfico é irrefreável. Confira as opiniões:
Francisco Amorim
Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre e doutor em Sociologia pela mesma instituição. Pesquisador no Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da UFRGS, é também professor de Comunicação Social na UniRitter.
"O aumento dos homicídios indica que há uma questão nacional envolvendo mercados ilegais acompanhada de violenta elevação também da taxa de roubos (55,8% no primeiro semestre de 2018, em comparação ao mesmo período de 2017). Apenas uma análise criteriosa dos casos poderá indicar se há relação das mortes com a venda ilegal de maconha. O certo é que a lei mudou o cenário. Por um lado, ao legalizar a distribuição, o mercado ilegal foi enfraquecido, o que é um avanço. Mas veio sem outras medidas, como fiscalização e ações de conscientização contra a droga, e teve efeito minorado. Na prática, sem o lucro sobre a maconha, grupos podem estar disputando o controle sobre o comércio de outros entorpecentes e de mercadorias de roubos e furtos. Com a liberação aos nativos, o país virou oásis para usuários de Argentina."
Rogério Meirelles Caldas
Promotor de Justiça que atua em Santa Vitória do Palmar e Chuí.
"Os homicídios na nossa região foram potencializados com a guerra do tráfico. O mercado consumidor no Uruguai se ampliou, em decorrência da lei que liberou uso e cultivo, e as facções brasileiras disputam esse território. Com isso, à luz do dia, cidades de 5 mil habitantes a 25 mil habitantes, começaram a vivenciar a criminalidade cruenta porque são rota de tráfico. Combatemos isso com entrosamento. Fazemos grupos de WhatsApp com promotores e policiais uruguaios, reuniões presenciais, trocamos informações."
Sandra Fleitas
Promotora da Fiscalía Departamental de Chuy (Uruguai), que atua há 19 anos no Ministério Público uruguaio e também é professora de Direito Penal e autora de livros sobre crime transnacional e organizado.
"A facilidade com que os delinquentes da fronteira têm para acessar território estrangeiro, após cometer crimes, torna a região atraente para criminosos. Não sei se esse aumento nos homicídios tem a ver com a liberação do consumo de maconha. Penso que o crime organizado não tem mais território. Age de forma transnacional. E, infelizmente, essa prática chegou ao Uruguai. Muitas vezes, aqui, as quadrilhas têm integrantes de nacionalidades distintas. É assim em todas fronteiras. E a evolução das comunicações facilitou que se conectem. O crime mudou. Por isso é importante as autoridades agirem também de forma conjunta, nos países vizinhos. Tentar agir sem necessidade de solicitação diplomática, informar sobre delinquentes que agem no Brasil e Uruguai. É o que tentamos fazer."
David Peixoto Ferreira
Delegado da Delegacia de Polícia Federal responsável por Chuí e Santa Vitória do Palmar. Ele apreendeu 1,6 tonelada de maconha este ano, na região, toda em direção ao Uruguai.
"Não sabemos se isso tem a ver com a liberalização legal no Uruguai, só sabemos que encontramos muito mais maconha que antes nas nossas abordagens. O incremento nas apreensões acontece também porque tivemos bom reforço em pessoal e meios na nossa equipe. Mas não há dúvida que Chuí virou rota internacional das facções criminosas apenas de uns anos para cá."
Ranolfo Vieira Júnior
Vice-governador e secretário da Segurança Pública. O ex-chefe de Polícia é contrário à liberação do consumo de maconha.
"Tudo leva a crer que esse salto nos homicídios tem a ver com disputa comercial pela maconha. O fenômeno não é num município só, é em todo o Uruguai e em grande parte da nossa fronteira. Talvez tenham dado um passo grande demais. Não se combate o tráfico liberando geral o consumo. Sou contra prisão de usuário, mas também não pode ser como hoje no Brasil, onde muita gente fuma maconha nas praças e estádios.
Mário Souza
Delegado da Polícia Civil gaúcha que coordenou operação contra o tráfico de maconha para o Uruguai.
"Não tenho a mínima dúvida de que a liberação do uso da droga, infelizmente, aqueceu o mercado uruguaio de maconha. Em um período de sete meses foram monitoradas ao menos 30 viagens com envio de drogas do Vale do Sinos para a fronteira e para abastecer parte do tráfico uruguaio."