O esporte brasileiro dormiu, de quinta para sexta-feira (27), comemorando a inédita conquista do título de duplas do Aberto da Austrália. É uma parceria 100% nacional, formada pelo gaúcho Rafael Matos e pela paulista Luisa Stefani. A vitória foi cercada de superação, algo bastante comum no esporte do Brasil.
Para quem acaba se familiarizando com outro esporte além do futebol apenas em momentos de conquistas ou de grandes eventos, como Jogos Olímpicos e Pan-Americanos, é necessário esclarecer que, apesar de sagrarem-se campeões de um dos quatro mais importantes torneios do circuito mundial de tênis, eles não somarão pontos no ranking ou ganharão milhões de dólares, como é comum nestes eventos.
Para se ter ideia, a premiação em Melbourne foi de 157.750 dólares australianos para os campeões, o equivalente a R$ 569.230, que será dividido entre eles.
A disputa de duplas mistas no tênis acontece apenas em algumas competições, como nos quatro torneios que compõem o Grand Slam, formado pelo Aberto da Austrália, Roland Garros, Wimbledon e o Aberto dos EUA. Também está presente nos Jogos Olímpicos, Pan-Americanos e na United Cup, competição recentemente criada e que é disputada por países, no estilo Copa do Mundo.
Foi na United Cup, disputada uma semana antes do início do Aberto da Austrália, que Rafael e Luisa participaram de um primeiro evento juntos e venceram os dois confrontos realizados contra Itália e Noruega. Mas o talento dos jovens tenistas brasileiros já era reconhecido, tanto que Luisa já esteve entre as 10 melhores do mundo até sofrer grave lesão no joelho direito na semifinal de duplas do Aberto dos EUA de 2021. Ela ficou um ano afastada das quadras. Ao se machucar, a paulista já ostentava outra conquista inédita, o bronze nos Jogos de Tóquio, ao lado da conterrânea Laura Pigossi.
A cirurgia foi feita nos Estados Unidos, onde a paulistana de 25 anos residia e treinava. Mas em virtude do longo processo de recuperação, Luisa optou em voltar pra casa e passou a trabalhar em São Paulo, com o treinador Léo Azevedo e uma nova equipe. O carinho de estar entre os seus parece ter feito bem. Desde que voltou a jogar em setembro de 2022, mesmo sem ter uma parceira fixa dentro do circuito, Luisa venceu os WTA 500 de Adelaide (Austrália), 250 de Chennai (Índia), 1000 de Guadalajara (México) e o 125 de Montevidéu (Uruguai).
Rafael, por sua vez, carregava um vice-campeonato de duplas na chave júnior do Aberto dos EUA de 2014. No ano passado, ele resolveu dar total prioridade aos torneios de duplas, o que se mostrou um grande acerto. Hoje, ele é um dos 30 melhores do mundo na especialidade.
O início de Rafael se deu no Rio Grande do Sul, como ele próprio contou à coluna em junho do ano passado, logo após a boa campanha em Roland Garros com o parceiro espanhol David Vega Hernández, com o qual já conquistou cinco títulos em sete finais, sendo quatro deles do circuito da ATP.
— Eu comecei a jogar com seis anos. Minha principal base foi dos 11 aos 19, quando eu treinei no IGT (Instituto Gaúcho de Tênis), que tinha como treinadores na época o (Luiz) Peniza, o (Eduardo) Frick, o Fernando Roese e o Marcos Hocevar e o preparador físico Miguel Cantori. Depois disso, eu treinei dois anos em Itajaí, onde eu estou hoje. Dos 19 aos 21, acabei voltando pra casa e treinei com o Rodrigo Ferreiro, irmão do Franco que é meu treinador atual. Com eles, eu fui pro Farrapos e acabei treinando mais com o Franco até chegar a pandemia e ter a paralisação dos torneios. A partir daí, foquei mais nas duplas— disse o jogador nascido em Porto Alegre, que completou 27 anos no último dia 6 de janeiro.
Aliás, na Austrália, o treinador Franco Ferreiro não pode estar presente. O ex-jogador gaúcho nascido em Uruguaiana atuou no circuito entre 2001-12 e chegou a ser o número 53 do ranking de duplas. Mas, mesmo à distância, comemorou a conquista, que teve outro gaúcho ao lado de Rafel, Luiz Peniza. Este, nascido em outra cidade da Fronteira, Santana do Livramento, é o coordenador técnico geral da ADK Tennis, academia localizada em Itajaí-SC. É lá que Rafael treina. A academia tem dois ex-jogadores como seus diretores, o argentino Patricio Arnold, ex-número 1 do ranking juvenil, e o gaúcho Ivan Kley, um dos principais jogadores do Brasil nos anos 1980, e que, em duplas, atingiu a 56ª posição na ATP, além de disputar a Copa Davis em diversas oportunidades.
A vitória na Austrália colocou Rafael e Luisa na seleta lista de jogadores brasileiros que conseguiram vencer um Grand Slam, ao lado de nomes como Maria Esther Bueno e Gustavo Kuerten, e também Thomaz Koch, Marcelo Melo e Bruno Soares.
No último mês de novembro, quando Rafael Nadal e Casper Ruud realizaram um jogo-exibição para 10 mil pessoas em Belo Horizonte, Rafael Matos participou do jogo de duplas, que serviu como despedida de Bruno Soares. A partida ainda contou com a lenda americana Bob Bryan e com Marcelo Melo. Eu estive presente no Mineirinho e ouvi de Soares, dono de seis títulos de Grand Slam, que o futuro estava nas mãos do jogador gaúcho. Naquela mesma noite, conversei com Rafael sobre as palavras do ex-número 2 do ranking de duplas:
— Ele (Bruno) jogou a pressão pra mim. A carreira que eles (Bruno e Marcelo) têm, não vai ser fácil fazer a metade, mas espero fazer só um pouquinho do que eles fizeram, gigantes do nosso esporte. E ter esses caras como inspiração é imenso. São tenistas e pessoas incríveis que tive o prazer de conviver e tentar aprender um pouco — contou o agora campeão de mistas do Aberto da Austrália.
Que o esporte brasileiro saiba aproveitar Rafael Matos, Luisa Stefani, Bia Haddad Maia, Marcelo Melo, Thiago Monteiro, Marcelo Demoliner e Laura Pigossi, que hoje são nossos principais jogadores e exemplos para gerações, sejam elas de futuros tenistas ou apenas de admiradores do tênis. Os exemplos de superação, como o de Luisa, ou perseverança, como de Matos, ficarão para além dos troféus.